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Mosaico de Docência – Prof ª. Xinaida Taligare V. Lima

Psoríase – Consequências além da pele

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Xinaida Taligare V. Lima

Professor adjunto de Dermatologia

Departamento de Medicina Clínica, Faculdade de Medicina

Universidade Federal do Ceará

O termo “psora”, de origem grega, significa descamação e é usado desde a antiguidade. Porém, a psoríase foi reconhecida como uma doença distinta somente no século dezenove. Em 1841, suas características clínicas foram diferenciadas das alterações da hanseníase, doença contagiosa associada a bastante estigma na época. Apesar de ser considerada uma doença dermatológica, a psoríase não possui alterações somente na pele, podendo estar associada a repercussões profundas, tanto articulares e sistêmicas, quanto psicológicas.

A psoríase é uma doença inflamatória crônica com manifestações cutâneas flutuantes que acomete 2-3% da população mundial. Nos Estados Unidos, a prevalência de psoríase diagnosticada é em torno de 3,2%. A doença é menos frequente em regiões de clima tropical e sua prevalência também varia entre diferentes grupos étnicos. No Brasil, a prevalência de psoríase na população foi de 1.3% em um estudo recente.

O início dos sintomas ocorre em média aos 33 anos e 75% dos casos ocorrem antes dos 46 anos de idade. Porém existem casos em que a psoríase tem inicio na infância. A maior incidência em pessoas relativamente jovens pode resultar em maior impacto na qualidade de vida do indivíduo, bem como levar a maior prejuízo econômico para a sociedade.

A grande maioria dos pacientes apresentam a variante conhecida como psoríase vulgar, na qual lesões vermelhas e descamativas simétricas estão distribuídas mais comumente sobre cotovelos, joelhos, couro cabeludo, regiões palmares e plantares, ou seja áreas comumente visíveis, contribuindo para que alguns pacientes percebam maior estigma e isolamento social. Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam doença moderada a grave, com mais de 10% da área total de pele acometida. Além do aspecto visual, sintomas como coceira podem prejudicar significativamente o bem-estar dos pacientes, sobretudo quando as lesões são mais extensas, afetando também a qualidade de vida de seus parceiros e familiares.

Além do acometimento cutâneo, aproximadamente 25% dos pacientes desenvolvem inflamação nas articulações ou artrite. Os sintomas da artrite podem ter início somente após o aparecimento das lesões de pele e nem sempre são queixas espontâneas dos pacientes, possivelmente por não conhecerem a conexão entre as duas formas de apresentação da doença. Alguns pesquisadores acreditam que a apresentação da psoríase cutânea e a articular podem ser discrepantes, inclusive no que diz respeito a diferentes respostas a múltiplos tratamentos.

A psoríase pode ainda desencadear alterações sistêmicas. Há pouco mais de 10 anos, alguns estudos demonstraram um aumento do risco de doença cardiovascular, principalmente em pacientes com psoríase moderada a grave. Além disso, pacientes com psoríase grave têm risco aumentado de morte por doença cardiovascular quando comparados à população geral, sendo esta também a principal causa de morte nestes pacientes. Outras pesquisas observaram que doenças como diabetes, hipertensão, obesidade, infarto cardíaco, angina, doença vascular periférica e acidente vascular cerebral (AVC) ocorrem mais frequentemente em pacientes com psoríase.

Faz-se necessário que os pacientes com psoríase após diagnóstico clínico, sejam avaliados adequadamente, não somente do ponto de vista de doença cutânea e articular, bem como suas alterações psicológicas e comorbidades clínicas. As alterações metabólicas, se mal controladas, podem limitar as opções de tratamento, contribuir para diminuição da qualidade de vida, além de aumentar a morbi-mortalidade destes pacientes. A vermelhidão e a descamação das lesões de pele, deveriam ser como a “ponta de um iceberg”, funcionando como um alerta para as alterações internas, que não devem ser subestimadas, mesmo em pacientes jovens ou com doença leve.

Referências

Abuabara K, Azfar RS, Shin DB, Neimann AL, Troxel AB, Gelfand JM. Cause-specific mortality in patients with severe psoriasis: a population-based cohort study in the U.K. Br J Dermatol. 2010;163(3):586-92.

Ciocon DH, Kimball AB. Psoriasis and psoriatic arthritis: separate or one and the same? Br J Dermatol. 2007 Nov;157(5):850-60.

Dowlatshahi EA, Kavousi M, Nijsten T, Ikram MA, Hofman A, Franco OH, et al. Psoriasis is not associated with atherosclerosis and incident cardiovascular events: the rotterdam study. J Invest Dermatol. 2013 Oct;133(10):2347-54.

Eghlileb AM, Davies EE, Finlay AY. Psoriasis has a major secondary impact on the lives of family members and partners. Br J Dermatol. 2007 Jun;156(6):1245-50.

Farber EM, Nall L. Psoriasis in the tropics. Epidemiologic, genetic, clinical, and therapeutic aspects. Dermatol Clin. 1994 Oct;12(4):805-16.

Gelfand JM, Feldman SR, Stern RS, Thomas J, Rolstad T, Margolis DJ. Determinants of quality of life in patients with psoriasis: a study from the US population. J Am Acad Dermatol. 2004 Nov;51(5):704-8.

Gelfand JM, Stern RS, Nijsten T, Feldman SR, Thomas J, Kist J, et al. The prevalence of psoriasis in African Americans: results from a population-based study. J Am Acad Dermatol. 2005 Jan;52(1):23-6.

Gelfand JM, Neimann AL, Shin DB, Wang X, Margolis DJ, Troxel AB. Risk of myocardial infarction in patients with psoriasis. JAMA. 2006 Oct 11;296(14):1735-41. 117

Griffiths CE, Barker JN. Pathogenesis and clinical features of psoriasis. Lancet. 2007 Jul 21;370(9583):263-71.

Kaye JA, Li L, Jick SS. Incidence of risk factors for myocardial infarction and other vascular diseases in patients with psoriasis. Br J Dermatol. 2008 Sep;159(4):895-902.

Kurd SK, Gelfand JM. The prevalence of previously diagnosed and undiagnosed psoriasis in US adults: results from NHANES 2003-2004. J Am Acad Dermatol. 2009 Feb;60(2):218-24.

Prodanovich S, Kirsner RS, Kravetz JD, Ma F, Martinez L, Federman DG. Association of psoriasis with coronary artery, cerebrovascular, and peripheral vascular diseases and mortality. Arch Dermatol. 2009 Jun;145(6):700-3.

Romiti R et al. Prevalence of psoriasis in Brazil – a geographical survey. Int J Dermatol. 2017; 56(8):e167-e168.

 

 

Mosaico de Docência – Dr. Prof. Daniel Maia

Fake news, redes sociais e liberdade de expressão na eleições.

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Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da UFC
profdanielmaiaufc@gmail.com

Desde as eleições presidenciais norte-americanas, em 2008, em que Barack Obama foi eleito Presidente dos Estados Unidos, as redes sociais da internet têm sido um dos mais importantes instrumentos de propaganda política dos candidatos de qualquer eleição no mundo ocidental.

Agora, após uma década da citada eleição norte-americana, o poder das redes sociais nas campanhas eleitorais somente aumentou, tendo em vista que o acesso da população, em especial das pessoas mais carentes, à internet é muito maior do que era em 2008. Entretanto, com a capilaridade e com a vastidão do alcance de tudo que nas redes sociais é divulgado, surgiu um terreno fértil para que mentiras e falsas notícias, denominadas de fake news, se proliferem e tendam a influenciar o voto dos eleitores menos atentos às fontes e à credibilidade dos veículos e pessoas que as publicarem.

Nesse contexto, é importante destacar que no ordenamento jurídico brasileiro o Direito à liberdade de expressão possui lugar de destaque na Constituição Federal, sendo expresso em seu artigo 5°, inciso IX, no qual se impõe a proibição de qualquer forma de censura ou licença prévia para a exposição de opiniões ou notícias. Assim, mesmo diante de um cenário propício para a divulgação de notícias e informações falsas, não há a possibilidade jurídica de que se faça algum controle prévio do que será publicado pelos candidatos e suas campanhas nas redes sociais da internet, sob pena de se criar uma censura, prática odiosa e incompatível com o atual Estado Democrático em que o Brasil está inserido.

Então, o que fazer para evitar que os eleitores sejam enganados pelas fake news? Bem, todo direito, mesmo os de natureza constitucional, não podem ser ilimitados, assim ocorrendo também com o direito à liberdade de expressão. Dessa maneira, apesar de não se poder ter um controle prévio das notícias e publicações que serão divulgadas, o Poder Judiciário poder atuar de formar incisiva, punindo os candidatos, as campanhas ou particulares que postem notícias inverídicas ou ofensivas, as quais configurem lesão à imagem ou honra de outros candidatos ou outras pessoas de modo geral.

Assim, se de um lado não se pode previamente proibir determinadas postagens que sejam tidas como falsas ou ofensivas, o Direito, por meio do Poder Judiciário e do Ministério Público pode agir para punir quem as publicar ou compartilhar.

De todo modo, como muitas vezes o mal que uma notícia falsa pode trazer é irremediável, sugere-se que, independentemente da punição posterior que ao emissor ou divulgador da mensagem falsa seja imposta, o nobre eleitor fique atento às fontes da notícia e na dúvida sobre a veracidade da postagem ou conteúdo evite o compartilhamento. Assim, o internauta que esteja navegando de boa-fé não correrá o risco de ser processado por compartilhar um conteúdo falso e a democracia se fortalecerá com a maior participação e conhecimento do povo em relação aos candidatos e suas plataformas eleitorais.

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A Greve que parou o Brasil

 

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Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da UFC
profdanielmaiaufc@gmail.com

Quando essa coluna foi escrita, ontem, 29 de maio de 2018, os caminhoneiros estavam há nove dias em greve. Hoje, caro leitor, a greve já pode ter acabado – o que eu não acredito que tenha ocorrido! -, mas, independentemente de quanto tempo ela dure, esse movimento paredista já causou resultados dantescos, seja na economia, que já contabiliza prejuízos na casa dos bilhões de Reais, se somados os danos públicos e privados; na agricultura e no agronegócio de modo geral, o qual registra perdas recordes, seja na distribuição dos produtos, seja na manutenção até da própria vida dos animais, os quais, sem alimentos, morrem à míngua em diversas fazendas do país; seja ainda na própria saúde, a qual, mesmo sendo um serviço de natureza essencial, tem sido prejudicada com a falta de entrega de medicamentos e materiais nos hospitais públicos. Tem-se notícias até de falta de combustível em ambulâncias! Isso tudo sem contar com o próprio cotidiano do brasileiro que se alterou nessa semana, pois muitos de nós sofremos com estradas interditadas e com filas enormes para abastecer, mesmo com preços exorbitantes. E quem paga essa conta de todo o prejuízo causado pela greve? Claro que todos nós, o povo brasileiro, que vê os preços dos produtos que ainda existem no mercado dispararem e se enxerga inundado de um sentimento de revolta diante de tamanha ineficiência e insensibilidade do Governo Federal, o qual, além de não ter tido êxito nas negociações, ainda foi insensível ao cogitar o uso das Forças Armadas para liberar as estradas.

Nesse ponto é salutar que se registre que o Governo Federal não se atentou que a greve não tem mais um líder único representando a categoria. Com as redes sociais da internet, a capacidade de comunicação e auto-organização do movimento seguiu o exemplo da Primavera Árabe e não necessitou de um sindicato ou um líder personificado que negocie diretamente com o Governo. Assim, enquanto as reivindicações não forem realmente atendidas e o sentimento geral dos grevistas mude, não adianta um sindicato dizer que a greve irá acabar, pois não irá.

Com tudo isso, poderíamos pensar que a greve, um direito previsto na Constituição Federal, não contaria com o apoio popular, afinal de contas somos nós, o povo, quem se prejudica diretamente com as consequências acima apontadas. Mas, não! O povo, de um modo geral, tem apoiado o movimento grevista. E por qual razão isso acontece? Simples! É pela a ocorrência do que o escritor alemão Ferdinand Lassalle dizia: “o que valida uma constituição é o sentimento geral do seu povo”. Assim, o direito à greve, previsto na nossa constituição, tem sido, neste episódio dos caminhoneiros, validado pelo sentimento geral de um povo que se vê muito mais representado pela revolta dos caminhoneiros do que pelo Governo formal que está no poder. Tem-se que os caminhoneiros, exemplarmente, estão fazendo o que todos que estão insatisfeitos com a atual política, absolutamente inexplicável, de preços dos combustíveis no Brasil deveriam fazer, ou seja, se mobilizar e fazer os governantes ouvirem o seu clamor.

Dessa forma, além da greve ser um direito formalmente concebido pela nossa Constituição, o movimento está moralmente validado pelo sentimento geral de revolta, que – repita-se: não parece ser contra os grevistas, mas, sim, contra o Governo. Assim, a greve dos caminhoneiros é juridicamente legal e moralmente justa.

Que essa greve, a qual parou o Brasil, sirva também para nos fazer parar e pensar sobre os próximos representantes que iremos eleger ainda este ano.

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Foi um erro desarmar o cidadão.

 

Daniel Maia

 

Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da UFC
profdanielmaiaufc@gmail.com

 

 

 

Desde a edição do Estatuto do Desarmamento, no ano de 2006, o cidadão brasileiro passou a ter extremas dificuldades para obter o direito de comprar e portar uma arma de fogo. A ideia central da referida lei era a de que um país com menos armas seria uma lugar mais seguro, o que foi um grande equívoco, pois o Estatuto somente serviu para duas coisas: desarmar o cidadão e dar aos bandidos a sensação de segurança, pois passaram a agir presumindo que as vítimas estão desarmadas.

O tema é polêmico e voltou à pauta do Congresso Nacional em face da explosão da violência urbana na última década. Opiniões defendendo o Estatuto se baseiam, em regra, em argumentos falhos, tais quais: a) que os cidadãos não estariam preparados para reagir em situações de crime; b) que as armas vendidas aos cidadãos poderiam cair nas mãos dos criminosos; c) que o número de vítimas por disparo de armas de fogo somente aumentaria e esta crescente estaria sempre voltada para o cidadão armado, o qual teria menos chance de êxito no uso da arma do que os bandidos; d) que a violência não diminuiu em países que liberaram o comércio armamentista.

Na verdade, todos esses argumentos são rebatíveis e não se aplicam a realidade brasileira, senão vejamos: a) obviamente, a liberação do comércio de armas de fogo deverá ser regulada com procedimentos que garantam que somente as pessoas preparadas para a utilização de tais armas possam ser autorizadas a comprá-las e portá-las, exigindo-se, para tanto, a realização de cursos e treinamentos específicos para o manuseio das armas que serão autorizadas a serem comercializadas; b) atualmente, o poderio de fogo dos bandidos, em especial do crime organizado, não é composto por armas de baixo calibre, as que geralmente são adquiridas pelo cidadão, mas sim por armas de uso restrito, contrabandeadas de exércitos de países vizinhos como a Bolívia e o Paraguai e em alguns casos até mesmo furtadas das polícias brasileiras, como no caso das munições que mataram a Vereadora carioca Mariella; c) o cidadão estando armado e preparado para utilizar a arma de fogo passa a ter ao seu favor o elemento surpresa que hoje está ao lado dos criminosos, pois eles partem do pressuposto de que suas vítimas estão desarmadas. Assim, não há como supor que o cidadão armado tenha menos chances de reagir a uma violência contra ele cometida do que se estivesse desarmado. Além disso, as estatísticas que mostram que os cidadãos que reagem a assaltos são mais atingidos por armas de fogo do que os bandidos são falsas, pois partem de uma premissa equivocada, uma vez que não consideram o fato de que somente o cidadão é quem registra as lesões que sofrem num ação criminosa. Ou será que quando um bandido leva um tiro de raspão, por exemplo, ele vai a uma delegacia registrar um Boletim de Ocorrência? É claro que não! Portanto, não se pode deduzir que os cidadãos seriam mais atingidos dos que os bandidos em um confronto; d) os Estados em que o comércio de arma é liberado e que possuem altos índices de vítimas por armas de fogo, não possuem a violência urbana que assola o Brasil, sendo outras as motivações para esses índices, tais como atos terroristas, massacres realizados por questões raciais, religiosas e políticas, mas não por violência urbana. O que significa que esses altos índices não podem ser aplicados a realidade brasileira, seja pelo fato de que aqui não se tem esses problemas que elevam o número de vítimas em outros Estados, seja pelo fato de que obviamente o bandidos passariam a temer mais o cidadão, que hoje não passa de uma presa fácil no trânsito, nas ruas e até mesmo nas suas casas.

Exemplo do que aqui se sustenta é que em países em que o comércio de armas é liberado como em alguns estados norte-americanos e em Israel é insignificante o número de assaltos e vítimas de crimes violentos, o que se tem são mortes por atos de terrorismo ou intolerância racial ou religiosa, mas por violência urbana não.

Admito que o tema é polêmico e que a nossa posição pode soar antipática, principalmente para aqueles radicais humanistas, mas o fato, e isso é inegável, é que de um lado o Estado desarmou o cidadão e de outro não investiu na Segurança Pública, deixando todos à mercê da bandidagem, sendo salutar que se reveja essa política pública a fim de garantir que as pessoas de bem possam ter o direito de se proteger, proteger suas famílias e seus bens. Está muito fácil para a criminalidade, pois o Estatuto do Desarmamento somente desarmou o cidadão e o Estado não teve a capacidade de desarmar os bandidos. Isso não pode continuar assim.

Mosaico de Docência – Dr. Prof. Daniel Maia

 

Se beber não dirija!

Daniel Maia

Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da UFC
profdanielmaiaufc@gmail.com

A Lei 13.546, editada em dezembro de 2017 e que entrou em vigor neste mês de abril, alterou o Código de Trânsito Brasileiro, revigorando o combate aos crimes cometidos no trânsito, em especial no que tange aos delitos cometidos por motoristas embriagados. Referida lei além de aumentar consideravelmente a pena para o homicídio e lesões graves e gravíssimas, também agravou o regime inicial de cumprimento dessas penas, o qual, agora, sendo o de reclusão, permite que o sujeito possa efetivamente cumprir parte da pena preso. Tais inovações claramente reforçam a finalidade da Lei Seca, a qual, após uma década de existência, não estava mais conseguindo diminuir os índices de delitos de trânsito cometidos por motoristas alcoolizados.

Concordamos que o maior rigor da lei penal tem o condão de desestimular a prática da direção em situações nas quais o sujeito houver ingerido bebidas alcoólicas ou substâncias psicoativas que o deixem entorpecido. Na prática, o Direito Penal sendo posto de modo mais rigoroso, ajuda a criar e fomentar uma nova cultura na sociedade, a qual passa a temer as conseqüências que podem surgir diante da desobediência da lei. Esse é um processo cultural um tanto quanto lento, o qual geralmente leva alguns anos para consolidar essa nova cultura. Assim, o que se tem é que o simples aumento das penas e do rigor de seu cumprimento pelo Direito Penal, são importantes para inibir a prática que se quer extinguir, no caso a direção por motoristas que estejam bêbados, entretanto, não são suficientes.

Faz-se necessário que juntamente com a política criminal de intimidação da conduta de dirigir alcoolizado, o Estado também invista em políticas públicas de incentivo a não condução de veículos quando o sujeito tenham se utilizado de bebidas alcoólicas ou outras substancias psicoativas. Ao Estado não basta apenas bater – com uma lei mais rigorosa -, ele tem também que afagar – com medidas de incentivo à educação no trânsito e melhoramento do transporte público.

Algumas das medidas de incentivo que poderiam ser adotadas pelo Estado era o maciço investimento na melhoria do transporte público, o que, no Brasil seria um sonho, afinal além dos ônibus lotados e inseguros, não se tem uma malha ferroviária de metrôs e VLTs apta a atender as necessidades básicas de transporte da população.

Dessa forma, como a melhoria do transporte público parece-nos um pouco distante da realidade brasileira, outra alternativa seria o incentivo ao uso de aplicativos de transporte particulares, tais como o Uber, os quais sendo devidamente regulados pelo poder público, podem atrair inúmeros usuários que se não os utilizasse dirigiriam embriagados por nossas ruas e avenidas.

Diante desse cenário, tem-se que o Estado acertou em deixar a lei penal mais rigorosa a fim de combater os crimes de trânsito cometidos por motoristas embriagados, mas, de outro lado, ainda se omite em incentivar a implementação de políticas públicas que incentivem esses mesmos motoristas a deixarem os seus veículos em casa nas ocasiões que forem ingerir álcool.

De todo modo, com o rigor da nova lei de trânsito, a máxima “Se beber não dirija!”, nunca foi tão apropriada.

Mosaico de Docência – Dr. Prof. Daniel Maia – Drogas devem ser reprimidas e não liberadas

Drogas devem ser reprimidas e não liberadas.

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Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da UFC
profdanielmaiaufc@gmail.com

O tráfico ilícito de drogas é sem dúvida o grande fomentador da criminalidade. O que se debate é como o Estado deve enfrentar esse problema que assola não apenas as grandes capitais brasileiras, mas também os interiores, tomados pelas facções criminosas.

Para alguns, como o Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, o enfrentamento da polícia não é eficaz, devendo o Estado, na sua opinião, adotar políticas que caminhem no sentido da descriminação do uso e comércio de algumas drogas, a exemplo da maconha. Essas políticas liberais enfraqueceriam o comércio ilegal e diminuiriam o poder financeiro das facções, possibilitando ao Estado um certo controle da comercialização dessas substâncias, tal como ocorre em alguns países europeus como a Holanda. Isso, apesar de simpático para alguns, é um erro de política criminal.

Em primeiro lugar pelo fato de que não se pode comparar países como a Holanda, os quais  possuem elevadíssimos índices de desenvolvimento humano e um serviço de saúde pública exemplar, com o Brasil, em que as pessoas morrem nos corredores dos hospitais por falta de leitos para tratar as mais simples doenças, quem dirá para um tratamento sério e eficaz de dependentes químicos, os quais precisam de uma estrutura multidisciplinar de profissionais para se livrarem dos vícios. Em segundo lugar, a política liberal de descriminalização do uso de drogas ilícitas é equivocada, pois a droga se espalha de maneira generalizada na sociedade é pelos usuários, muito mais até do que pelos próprios traficantes. Em regra, o primeiro contato que um jovem tem com substâncias ilícitas é por meio de alguém que ele conhece, uma namorada, um amigo, um conhecido que usa e oferece o compartilhamento em uma festa, uma viagem, na escola, na faculdade ou em algum encontro social.  Somente depois de conhecer e experimentar a substância ilícita oferecida por um usuário conhecido é que a pessoa, desesperada para alimentar o vício que passou a devorá-la é que procura um traficante em uma boca de fumo ou nas famosas áreas denominadas de Cracolândia – as quais até hoje não entendo por qual motivo não tem um policiamento ostensivo pelo menos para combater a venda de drogas ali.

Liberar o uso e a comercialização da maconha, substância que é a porta de entrada para drogas mais fortes e de efeitos mais danosos, ao invés de enfraquecer o tráfico ilícito de drogas irá produzir uma geração inteira de dependentes químicos que acabarão procurando o tráfico ilegal de drogas de todo jeito para adquirir drogas mais pesadas, como o Crack ou a Cocaína, quando aquelas que estiverem liberadas não surtirem mais efeito. Além disso, a descriminalização de qualquer tipo de droga teria o simbolismo de incentivar e encorajar o seu consumo, ou seja, uma política liberal de descriminalização do uso e comércio de drogas somente beneficia os produtores e traficantes de tais substâncias.

E o pior, junto com a explosão no número de usuário que a descriminalização do uso e comércio de alguns entorpecentes traria, também ocorreria um grave impacto ao serviço de saúde pública, o qual no Brasil já é absolutamente precário, haja vista o colapso na rede de saúde uruguaia depois que aquele país liberou o uso da maconha.

Defender que descriminalizar o uso e o comércio de algumas drogas ilícitas diminuiria o poder do trafico é um grave erro que se o Brasil cometer várias gerações pagarão o alto preço de se ter uma sociedade dependente e que ficará mais ainda à mercê das organizações criminosas que controlam o tráfico ilícito de drogas.  Por tudo isso o uso e o comércio de drogas ilícitas devem ser reprimidos e não liberados.

Mosaico de Docência – Prof. Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro – O Diálogo Como Motor do Processo Educativo

O Diálogo Como Motor do Processo Educativo

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Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro
Professor do Curso de Psicologia da UFC – Campus de Sobral

Gostaria de expor uma ideia que considero central para a construção do processo educativo: o diálogo, noção oriunda da obra de Paulo Freire (1980). Freire ensina que a ação pedagógica revolucionária é, fundamentalmente, dialógica. A partir deste horizonte, leva-se em consideração a historicidade e a incompletude da condição humana, ao mesmo tempo em que, de forma esperançosa, aponta para um futuro no qual a superação da imobilidade é colocada como possível. Dentro dessa perspectiva, o diálogo pode ser caracterizado como:

[...] uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 1979, p. 107).

Conforme exposto na definição acima, algumas características perpassam e dão as condições para o estabelecimento do diálogo: o amor, a humildade e a fé nos homens. O amor, ato de valentia e não de manipulação, faz-se presente a partir do compromisso com a libertação. A humildade é pré-requisito que permite equiparação aos participantes na capacidade de criar e de recriar o mundo pronunciado; é exigência sem a qual não se viabiliza o encontro. A fé, longe de se fazer ingênua, antecede o diálogo e reflete a crença na possibilidade dos homens de se recriarem. Como conseqüência dessas características é estabelecida a confiança entre aqueles que dialogam, mantida por meio da coerência entre palavras e atos.

Freire ensina ainda que o diálogo une, indissociavelmente, reflexão e ação. Sem a ação tem-se uma verborragia frívola. Ao abster da reflexão, cai-se num ativismo irrefletido. Estas duas possibilidades, verborragia frívola e  ativismo irrefletido, barram a elaboração da palavra que se faz práxis. Por outro lado, quando se toma o diálogo como exigência existencial singular à condição humana, este não pode se dar como mera troca de idéias, embate polêmico ou forma de conquista do outro, mas como ferramenta de pronúncia do mundo e de sua transformação.

No entanto, o diálogo não se trata de uma simples conversa onde cada um dá sua opinião sobre um assunto. O dialogismo intencionado exige uma postura diferenciada de valorização do saber e da experiência de vida dos sujeitos com quem se dialoga. Nesse sentido, o que se busca é facilitar a conversa, mais que conduzir seus rumos. Busca-se contribuir para o cultivo de um espaço de respeito à fala de cada um, compreendendo que o conhecimento é construção coletiva.

Esta postura implica numa abertura para a alteridade, um acolhimento da diferença, ao invés de rebatê-la ou negá-la. Ao mesmo tempo, se afirma uma necessidade de ação, tendo em vista que não se deve ficar limitado à apreensão das contradições do mundo, mas deve proceder a sua transformação. Buscando ir além da discussão, propondo ações práticas e coletivas que concorram para um avanço no tocante à construção de alternativas aos problemas reconhecidos, ações que também são desenvolvidas dentro de uma perspectiva dialógica.

Considero, ainda, que a postura dialógica aqui perseguida exige uma escuta atenta e aberta para as diferenças que se insinuam nos encontros. No diálogo, as identidades dos envolvidos são postas em cheque quando há espaço para o acolhimento das diferenças e dos estranhamentos que o encontro suscita. Discutindo, apontam-se novas formas de falar dos velhos problemas.

Aquele que dialoga também se depara com alguns estranhamentos que dizem respeito à posição que se ocupa. Por um lado, não se vai ao diálogo de mãos vazias, posto que se vai a ele com os próprios saberes e desejos de transformação. Por outro lado, ao tornar-se disponível para o diálogo, é preciso lidar zonas de ignorância e deixar em suspenso expectativas quanto aos rumos do debate. Nesse contexto, os estranhamentos suscitados pela prática do diálogo são compartilhados e possibilitam novas formas de ler e de se posicionar diante de problemas que são construídos conjuntamente.

É preciso dizer, ainda, que com o diálogo não se espera o estabelecimento de uma simetria dos participantes entre si. Inúmeras relações de força perpassam esse encontro, mas ganham espaço para se fazerem presentes e serem discutidas. Também não compreendemos que as discussões propiciadas se orientem rumo a uma verdade transcendente.

O diálogo também não se resume a um meio de encontrar a solução para os problemas coletivos. No diálogo que desejamos o que se busca é a exploração dos conflitos e do dissenso suscitado no encontro entre heterogêneos. A busca pelo consenso aponta um risco grave e que passa muitas vezes disfarçadamente sob os ideais progressistas e humanitários. Sem dar-se conta, é possível interromper o movimento circular e vacilante da política com o intuito de fazer valer uma comunhão apaziguadora para dar conta de um conflito, e perde-se a chance de aproveitar o que ele traria de intempestivo.

O diálogo, portanto, se coloca como horizonte de um prática educativa emancipadora e que busca superação das desigualdades.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.

______. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez e Moraes, 1980.

Mosaico de Docência – Prof. Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro – O TRABALHO DOCENTE COMO PROBLEMA

O Trabalho Docente Como um Problema

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Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro
Professor do Curso de Psicologia da UFC – Campus de Sobral

O objeto de trabalho é aquilo em torno do qual se age de forma coordenada, por meio de instrumentos simbólicos ou materiais, a fim de promover uma transformação, visando a um resultado previamente concebido (MARX, 1982). Diante dessa definição, cabe a pergunta: qual o objeto de trabalho do professor(a)? Ao colocar o trabalho docente como questão, o intuito da discussão aqui empreendida é precisar sobre quem ou o que o professor exerce sua ação a fim de atingir um objetivo específico. Conforme Silva (2009), tal determinação é primordial para o trabalho docente, a fim de que a atuação profissional dos educadores não seja fetichizada, de modo que não se desconsiderem os professores como inseridos na divisão social e técnica do trabalho. A autora afirma:

“De fato, o trabalho docente tem sua especificidade, mas, como qualquer outro, é uma atividade direcionada a um fim e este é a formação humana […] Como um trabalho, a docência está inserida em um processo de trabalho como qualquer outro e, por isso, não pode prescindir de um objeto de trabalho; de meios ou instrumentos para executá-lo; e da própria atividade com um fim determinado. O resultado desse processo é um produto. Assim, a docência é o próprio trabalho que o professor realiza e é nessa atividade que ele empenha sua força de trabalho, constituindo-se num trabalhador”. (SILVA, 2009, p. 74-75).

Depreende-se das afirmações de Silva (2009) que o estudante é o objeto de trabalho do professor e o fim que se busca é sua formação. Reforça-se este argumento com a afirmação de Paro (1986, p. 141 apud HYPOLITO, 1991, p. 16) para quem o aluno é o

“[…] verdadeiro ‘objeto de trabalho’ do processo produtivo escolar, já que ele se constitui na própria realidade sobre a qual se aplica o trabalho humano, com vistas à realização do fim educativo. Isto quer dizer que, a exemplo do que sucede com a matéria-prima no âmbito da produção material, o aluno não sai do processo educativo como era quando aí entrou”.

Em outro trabalho, Paro (1993) ressalva que há diferenças entre o objeto de trabalho considerado na produção material e aquele que é alvo do trabalho pedagógico. A resistência passiva do objeto de trabalho que ocorre na produção material não se aplica ao aluno. Este último resiste ativamente à ação em função de sua condição humana, portanto histórica. Nesse sentido, o estudante é também produtor e não somente alvo de uma ação, ou mesmo mero consumidor da aula que o professor lhe provê. Acrescente-se que

“[…] no processo material de produção, as modificações imprimidas no objeto de trabalho são de natureza material enquanto que a transformação que se dá no processo pedagógico diz respeito à personalidade viva do educando, pela apropriação de conhecimentos, atitudes, valores, habilidades, técnicas etc” (PARO, 1993, p. 105-106).

Ainda considerando a delimitação do objeto de trabalho do docente, é relevante a discussão levantada por Clot (2010). O psicólogo francês ressalta a dificuldade de, em contraponto com a indústria, definir o objeto de trabalho no setor de serviços, no qual pode se inserir a atuação dos professores:

“Com o desenvolvimento dos serviços em que o “objeto” do trabalho – palavra que, praticamente, deve ser escrita entre aspas para esse tipo de funções – é, cada vez mais, a vida do outro, as metas a atingir, sendo os meios para alcançá-las muito mais controvertidos por natureza e, fundamentalmente, discutíveis. O trabalho industrial podia ainda tornar crível a ilusão taylorista segundo a qual é possível separar o trabalho e o pensamento. Mas o trabalho no setor de serviços ainda complica muito as tentativas de separação entre as operações de execução e o sentido da ação. O próprio trabalho impõe uma responsabilidade renovada quanto ao “objeto” e, por isso, a definição das tarefas é influenciada, mais do que em outras circunstâncias, por avaliações conflitantes […] [No setor de serviços] as técnicas são as do uso de si e dos outros, em vez da coisa física. Nos serviços, tudo parece, portanto, complicar o emprego da palavra ofício e, em particular, a “mistura dos gêneros”, incentivada por esse trabalho, entre vida profissional e vida pessoal” (CLOT, 2010, p. 281-282).

Tais considerações parecem se adequar perfeitamente ao trabalho docente. Para o professor, em relação aos seus instrumentos materiais, toda sorte de objetos utilizados na interação com os alunos pode ser elencada: lousa, pincéis, livros, dentre outros. Dentre os instrumentos simbólicos estão as estratégias didáticas construídas a partir de sua formação, da troca de experiências com os colegas e também influenciadas por suas vivências fora da escola. As posturas assumidas e decisões tomadas para a condução da turma são ferramentas essenciais para atuar sobre seu objeto de trabalho, de modo que o “uso de si” referido acima é proeminente.

Some-se a isso que o resultado da ação do docente diz respeito a uma meta a atingir na vida de outra pessoa, mas uma vez concordando com o que foi apresentado por Clot na citação alhures. Espera-se que, ao final de um período letivo, o estudante tenha adquirido conteúdos predeterminados ou assuma posturas e comportamentos desejáveis.

A separação entre concepção e execução também não se sustenta no trabalho docente. O professor é, ainda, senhor de sua ação em sala de aula. O docente mantém autonomia para determinar metodologias e conteúdos (BASSO, 1998). Em contrapartida à sua autonomia, o professor torna-se, como dito anteriormente, ele próprio, instrumento de ação sobre seu objeto de trabalho, donde suas experiências pessoais, assim como suas pré-ocupações, conforme a terminologia aqui adotada, acabam por ser uma fonte infindável de ferramentas para a ação em sala.

É mister sinalizar que tomar o estudante como objeto de trabalho não significa, necessariamente, objetifica-lo e, por conseguinte, alijá-lo de sua condição de sujeito. Tal esclarecimento é relevante tendo em vista a confusão semântica que o uso de tal terminologia pode causar.

REFERÊNCIAS

BASSO, I. S. Significado e sentido do trabalho docente. Caderno CEDES, Campinas, v. 19, n. 44, p. 19-32, abr. 1998.

CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.

HYPOLITO, Á. M. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para análise. Teoria & Educação, Porto Alegre n. 4, p.41-61, 1991.

MARX, Karl. O Capital (crítica da economia política). Livro 1: o processo de produção do capital. São Paulo: Difel, 1982.

PARO,  Vitor  Henrique.  Administração  Escolar:  uma  introdução  crítica.  São  Paulo: Cortez/Autores Associados, 1986.

PARO, V. H. A natureza do trabalho pedagógico. Revista da Faculdade de Educação, v. 19, n. 1, p. 103-109, jan/jun. 1993.

SILVA, Maria Emília Pereira da. A metamorfose do trabalho docente no ensino superior: o impasse nas licenciaturas. 2009. 181 f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Mosaico de Docência – Dr. Prof. Daniel Maia – PCC, CV e agora GDE, o que falta surgir para o Estado reagir?

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Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará – UFC.
profdanielmaiaufc@gmail.com

 

 

 

PCC, CV e agora GDE, o que falta surgir para o Estado reagir?

Já não é mais novidade que as facções como o Primeiro Comando da Capital – PCC, Comando Vermelho – CV e a mais nova Guardiões do Estado – GDE tomaram conta não somente da periferia de Fortaleza, mas de todo o Estado, estabelecendo em vários bairros de diversas cidades normas de convivência, tribunais de exceção para o julgamento daqueles que infringem as regras impostas pelo crime organizado, toque de recolher para os moradores e até restrições de entrada no bairro para quem estiver de capacetes ou com os vidros dos carros fechados, sendo a polícia desafiada diariamente com pichações nas quais se lêem frases como “Aqui a polícia não entra!”, divulgadas frequentemente em redes sociais e em diversas matérias jornalísticas.

Essa realidade tem se tornado comum e parece estar tomando ares de normalidade, quando, na verdade, não é. Entretanto, o que me assusta e indigna é a absoluta falta de interesse estatal em enfrentar, de maneira eficiente, essas facções. Não é possível que percamos a capacidade de nos indignar com a inércia do Estado em combater essa criminalidade baseada no trafico de drogas, o qual corrói os jovens de famílias de todas as classes sociais.

Chega a ser emblemático e triste o domínio dessas facções nos presídios cearenses, os quais, mais que escritórios do crime, estão a cada dia se tornando condomínios das organizações criminosas, as quais gravam vídeos que são postados na internet fazendo todo tipo de transgressão disciplinar que um detento possa imaginar. Desde festas regadas a bebidas alcoólicas e forró, as quais são decoradas com cartazes e faixas que orgulhosamente ostentam as siglas de suas facções, até o uso generalizado de celulares e computadores, os quais além de servirem para postar as fotos dessas verdadeiras farras, são a principal ferramenta para o funcionamento do crime organizado, o qual de dentro dos presídios ordena crimes e coordena seus marginais do lado de fora. E o Estado faz vista grossa, não tomando absolutamente nenhuma providência eficaz contra isso. Por quê? Tecnologia a um baixo custo já existe faz tempo para possibilitar esse bloqueio. Aliás, não vejo nenhuma autoridade explicando por qual motivo não se bloqueiam os celulares dos presos no Ceará. Impedir a comunicação dos presos com os criminosos que estão soltos é o mínimo que deveria ser feito, mas infelizmente nem isso acontece.

É preciso que se diga que o Estado pode continuar contratando milhares e milhares de Policiais Militares, que a violência não diminuirá, pois esta arraigada dentro do próprio sistema prisional. O irônico disso tudo é que era para ser mais fácil controlar o crime dentro das instalações do Estado do que nas ruas, mas isso não ocorre simplesmente por falta de vontade ou coragem política para desarticular tais facções. E aqui é bom registrar que a culpa por esse quadro está longe de ser do Direito Penal ou mesmo do Poder Judiciário, mas é sim do Estado-Administração, o qual é quem tem o poder e o dever para tomar medidas administrativas para coibir esse escárnio nos presídios.

Aprendi que o Estado é o ente mais poderoso da sociedade, devendo todos que o compõem seguir suas regras, mantendo-se, assim, um pacto que permite o convívio em sociedade. Dessa forma, é obvio que nenhuma facção criminosa se manteria de pé – pelo menos não com tanto deboche pelo poder público como fazem atualmente – se houvesse vontade de usar a força estatal para combatê-las.

O fato é que temos uma política criminal de combate ao crime organizado no Ceará de “faz de contas”, e temos que ter coragem para indagar: depois de PCC, CV e GDE qual sigla falta surgir para que o Estado acorde, retome o controle dos presídios, bloqueie a comunicação dos presos com criminosos e sufoque o tráfico de drogas que assola todo o nosso lindo Estado?

Mosaico de Docência – Dr. Prof. Daniel Maia – Redes Sociais, nem um bem, nem um mal: um instrumento.

1Daniel Maia

 

Daniel Maia.
Professor Doutor de Direito Penal da UFC.
profdanielmaiaufc@gmail.com.

As redes sociais da internet, além de aproximar pessoas que estão longe e, muitas vezes, afastar momentaneamente quem está ao lado, o que, de logo, mostra o seu caráter dúbio, possibilitaram o aumento vertiginoso da velocidade e da capilaridade da transmissão de informações e dados entre as pessoas. Tem-se que as redes sociais são verdadeiros instrumentos de ampliação do direito fundamental à liberdade de expressão, fato que, de um lado, possibilitou o avanço na efetivação dimensionado direito, mas de outro, ocasionou a maximização das rotas de colisão entre a liberdade de expressão e outros direitos com a mesma natureza de fundamentalidade, especialmente o direito à honra, o direito à imagem, o direito à privacidade e o direito à liberdade religiosa.

Nota-se que, com o aumento do volume de propagação dos pensamentos e informações expressos nas redes sociais, o qual é demasiadamente maior do que a quantidade que se estava acostumado a ter com os meios de comunicação tradicionais, tais como a televisão, o rádio e o jornal impresso, aumentou-se também a possibilidade de que tais manifestações de pensamentos e opiniões violem direitos de terceiros e até mesmo, configurem crimes. Isso faz com que os direitos fundamentais à informação e à própria liberdade de expressão, ampliados com as redes sociais na internet, entrem em conflito mais acentuado com outros Direitos Fundamentais previstos, inclusive, no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Observa-se ainda, o enorme poder das redes sociais em fatos como a Primavera Árabe, em que somente pelo uso desse novo instrumento de comunicação, foi possível a derrubada de Estados ditatoriais, os quais eram governados há décadas, ao arrepio da vontade de seus povos, o que sem dúvida, foi um bem para a democracia.

De outro lado, é também pelas redes sociais que o Estado Islâmico, a AL Qaeda e outras organizações terroristas têm divulgado seus atos criminosos e recrutando novos integrantes para os fins nefastos que possuem.

Dessa forma, como o Estado e o Direito ainda não encontraram um meio termo entre efetivamente controlar e não censurar o conteúdo das redes sociais, cabe a nós esse filtro para decidirmos o que postar ou o que visualizar.

  Enfim, as redes sociais não são um bem ou um mal, mas sim um instrumento contemporâneo que, assim como um bisturi, pode ser usado por todos para o beneficio ou malefício individual ou coletivo, cabendo a nós decidir como queremos usá-las e arcamos com as consequências jurídicas, inclusive criminais, e fáticas dessa decisão.