O Diálogo Como Motor do Processo Educativo

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Francisco Pablo Huascar Aragão Pinheiro
Professor do Curso de Psicologia da UFC – Campus de Sobral

Gostaria de expor uma ideia que considero central para a construção do processo educativo: o diálogo, noção oriunda da obra de Paulo Freire (1980). Freire ensina que a ação pedagógica revolucionária é, fundamentalmente, dialógica. A partir deste horizonte, leva-se em consideração a historicidade e a incompletude da condição humana, ao mesmo tempo em que, de forma esperançosa, aponta para um futuro no qual a superação da imobilidade é colocada como possível. Dentro dessa perspectiva, o diálogo pode ser caracterizado como:

[...] uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 1979, p. 107).

Conforme exposto na definição acima, algumas características perpassam e dão as condições para o estabelecimento do diálogo: o amor, a humildade e a fé nos homens. O amor, ato de valentia e não de manipulação, faz-se presente a partir do compromisso com a libertação. A humildade é pré-requisito que permite equiparação aos participantes na capacidade de criar e de recriar o mundo pronunciado; é exigência sem a qual não se viabiliza o encontro. A fé, longe de se fazer ingênua, antecede o diálogo e reflete a crença na possibilidade dos homens de se recriarem. Como conseqüência dessas características é estabelecida a confiança entre aqueles que dialogam, mantida por meio da coerência entre palavras e atos.

Freire ensina ainda que o diálogo une, indissociavelmente, reflexão e ação. Sem a ação tem-se uma verborragia frívola. Ao abster da reflexão, cai-se num ativismo irrefletido. Estas duas possibilidades, verborragia frívola e  ativismo irrefletido, barram a elaboração da palavra que se faz práxis. Por outro lado, quando se toma o diálogo como exigência existencial singular à condição humana, este não pode se dar como mera troca de idéias, embate polêmico ou forma de conquista do outro, mas como ferramenta de pronúncia do mundo e de sua transformação.

No entanto, o diálogo não se trata de uma simples conversa onde cada um dá sua opinião sobre um assunto. O dialogismo intencionado exige uma postura diferenciada de valorização do saber e da experiência de vida dos sujeitos com quem se dialoga. Nesse sentido, o que se busca é facilitar a conversa, mais que conduzir seus rumos. Busca-se contribuir para o cultivo de um espaço de respeito à fala de cada um, compreendendo que o conhecimento é construção coletiva.

Esta postura implica numa abertura para a alteridade, um acolhimento da diferença, ao invés de rebatê-la ou negá-la. Ao mesmo tempo, se afirma uma necessidade de ação, tendo em vista que não se deve ficar limitado à apreensão das contradições do mundo, mas deve proceder a sua transformação. Buscando ir além da discussão, propondo ações práticas e coletivas que concorram para um avanço no tocante à construção de alternativas aos problemas reconhecidos, ações que também são desenvolvidas dentro de uma perspectiva dialógica.

Considero, ainda, que a postura dialógica aqui perseguida exige uma escuta atenta e aberta para as diferenças que se insinuam nos encontros. No diálogo, as identidades dos envolvidos são postas em cheque quando há espaço para o acolhimento das diferenças e dos estranhamentos que o encontro suscita. Discutindo, apontam-se novas formas de falar dos velhos problemas.

Aquele que dialoga também se depara com alguns estranhamentos que dizem respeito à posição que se ocupa. Por um lado, não se vai ao diálogo de mãos vazias, posto que se vai a ele com os próprios saberes e desejos de transformação. Por outro lado, ao tornar-se disponível para o diálogo, é preciso lidar zonas de ignorância e deixar em suspenso expectativas quanto aos rumos do debate. Nesse contexto, os estranhamentos suscitados pela prática do diálogo são compartilhados e possibilitam novas formas de ler e de se posicionar diante de problemas que são construídos conjuntamente.

É preciso dizer, ainda, que com o diálogo não se espera o estabelecimento de uma simetria dos participantes entre si. Inúmeras relações de força perpassam esse encontro, mas ganham espaço para se fazerem presentes e serem discutidas. Também não compreendemos que as discussões propiciadas se orientem rumo a uma verdade transcendente.

O diálogo também não se resume a um meio de encontrar a solução para os problemas coletivos. No diálogo que desejamos o que se busca é a exploração dos conflitos e do dissenso suscitado no encontro entre heterogêneos. A busca pelo consenso aponta um risco grave e que passa muitas vezes disfarçadamente sob os ideais progressistas e humanitários. Sem dar-se conta, é possível interromper o movimento circular e vacilante da política com o intuito de fazer valer uma comunhão apaziguadora para dar conta de um conflito, e perde-se a chance de aproveitar o que ele traria de intempestivo.

O diálogo, portanto, se coloca como horizonte de um prática educativa emancipadora e que busca superação das desigualdades.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.

______. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez e Moraes, 1980.