Foi um erro desarmar o cidadão.

 

Daniel Maia

 

Daniel Maia
Professor Doutor de Direito Penal da UFC
profdanielmaiaufc@gmail.com

 

 

 

Desde a edição do Estatuto do Desarmamento, no ano de 2006, o cidadão brasileiro passou a ter extremas dificuldades para obter o direito de comprar e portar uma arma de fogo. A ideia central da referida lei era a de que um país com menos armas seria uma lugar mais seguro, o que foi um grande equívoco, pois o Estatuto somente serviu para duas coisas: desarmar o cidadão e dar aos bandidos a sensação de segurança, pois passaram a agir presumindo que as vítimas estão desarmadas.

O tema é polêmico e voltou à pauta do Congresso Nacional em face da explosão da violência urbana na última década. Opiniões defendendo o Estatuto se baseiam, em regra, em argumentos falhos, tais quais: a) que os cidadãos não estariam preparados para reagir em situações de crime; b) que as armas vendidas aos cidadãos poderiam cair nas mãos dos criminosos; c) que o número de vítimas por disparo de armas de fogo somente aumentaria e esta crescente estaria sempre voltada para o cidadão armado, o qual teria menos chance de êxito no uso da arma do que os bandidos; d) que a violência não diminuiu em países que liberaram o comércio armamentista.

Na verdade, todos esses argumentos são rebatíveis e não se aplicam a realidade brasileira, senão vejamos: a) obviamente, a liberação do comércio de armas de fogo deverá ser regulada com procedimentos que garantam que somente as pessoas preparadas para a utilização de tais armas possam ser autorizadas a comprá-las e portá-las, exigindo-se, para tanto, a realização de cursos e treinamentos específicos para o manuseio das armas que serão autorizadas a serem comercializadas; b) atualmente, o poderio de fogo dos bandidos, em especial do crime organizado, não é composto por armas de baixo calibre, as que geralmente são adquiridas pelo cidadão, mas sim por armas de uso restrito, contrabandeadas de exércitos de países vizinhos como a Bolívia e o Paraguai e em alguns casos até mesmo furtadas das polícias brasileiras, como no caso das munições que mataram a Vereadora carioca Mariella; c) o cidadão estando armado e preparado para utilizar a arma de fogo passa a ter ao seu favor o elemento surpresa que hoje está ao lado dos criminosos, pois eles partem do pressuposto de que suas vítimas estão desarmadas. Assim, não há como supor que o cidadão armado tenha menos chances de reagir a uma violência contra ele cometida do que se estivesse desarmado. Além disso, as estatísticas que mostram que os cidadãos que reagem a assaltos são mais atingidos por armas de fogo do que os bandidos são falsas, pois partem de uma premissa equivocada, uma vez que não consideram o fato de que somente o cidadão é quem registra as lesões que sofrem num ação criminosa. Ou será que quando um bandido leva um tiro de raspão, por exemplo, ele vai a uma delegacia registrar um Boletim de Ocorrência? É claro que não! Portanto, não se pode deduzir que os cidadãos seriam mais atingidos dos que os bandidos em um confronto; d) os Estados em que o comércio de arma é liberado e que possuem altos índices de vítimas por armas de fogo, não possuem a violência urbana que assola o Brasil, sendo outras as motivações para esses índices, tais como atos terroristas, massacres realizados por questões raciais, religiosas e políticas, mas não por violência urbana. O que significa que esses altos índices não podem ser aplicados a realidade brasileira, seja pelo fato de que aqui não se tem esses problemas que elevam o número de vítimas em outros Estados, seja pelo fato de que obviamente o bandidos passariam a temer mais o cidadão, que hoje não passa de uma presa fácil no trânsito, nas ruas e até mesmo nas suas casas.

Exemplo do que aqui se sustenta é que em países em que o comércio de armas é liberado como em alguns estados norte-americanos e em Israel é insignificante o número de assaltos e vítimas de crimes violentos, o que se tem são mortes por atos de terrorismo ou intolerância racial ou religiosa, mas por violência urbana não.

Admito que o tema é polêmico e que a nossa posição pode soar antipática, principalmente para aqueles radicais humanistas, mas o fato, e isso é inegável, é que de um lado o Estado desarmou o cidadão e de outro não investiu na Segurança Pública, deixando todos à mercê da bandidagem, sendo salutar que se reveja essa política pública a fim de garantir que as pessoas de bem possam ter o direito de se proteger, proteger suas famílias e seus bens. Está muito fácil para a criminalidade, pois o Estatuto do Desarmamento somente desarmou o cidadão e o Estado não teve a capacidade de desarmar os bandidos. Isso não pode continuar assim.