Perfil socioeconômico dos bolsistas da FUNCAP no Ceará

Até bem pouco tempo, a educação superior ao nível de Pós-graduação, situava-se no patamar acessível apenas a uma parcela muito pequena da população brasileira, originada em famílias de renda media e elevada, e praticamente em sua totalidade oriundas de escolas privadas particulares, ou no caso de algumas áreas específicas de atuação, de escolas mantidas pelas Forças Armadas. O sistema de vestibular para ingresso nas Universidades funcionava como um primeiro filtro, selecionando apenas aqueles que possuíam tais condições e, portanto, capazes de frequentar escolas e cursos preparatórios, geralmente privados e quase sempre muito caros. Na graduação, a quase inexistência de bolsas de iniciação científica e outros estímulos financeiros, tornava praticamente impossível a dedicação exclusiva dos alunos ao ensino e a pesquisa se não tivessem suporte financeiro familiar. Na pós-graduação, a situação se agravava ainda mais devido à pequena disponibilidade de bolsas de estudo. Um dos aspectos mais nefastos resultantes desta situação era uma tremenda desigualdade social, que se estendia consequentemente a uma notável assimetria regional ao acesso a pós-graduação e, por conseguinte, a geração de conhecimento no Brasil (ver discussão sobre assimetrias em http://www.blogdacasa.ufc.br/mosaico-docente-prof-luiz-drude-de-lacerda-5/).

Nos últimos 12 anos, entretanto, a situação começou a mudar de forma significativa. Políticas públicas há muito necessárias para o combate a desigualdade social e consequentemente também regional em nosso país, vem alterando esta situação. Políticas exitosas como a universalização do resultado do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) como mecanismo de ingresso nas universidades públicas; o lançamento do  PROUNI (Programa universidade para Todos) que permite acesso ao sistema universitário privado independente de renda familiar através de bolsas integrais e parciais; a politica de cotas, abrindo acesso do sistema universitário público às minorias; e particularmente no caso do Estado do Ceará, a ampliação significativa do ensino médio técnico gratuito, que resultou no ingresso no nível mais elevado da formação profissional de representantes das classes mais pobres.

    Mas e a pós-graduação? Já é possível evidenciar algum progresso neste aspecto? Na geração do conhecimento, recente levantamento de grupos de pesquisa no País realizado pelo CNPq, já mostra uma redução sensível assimetrias; da mesma forma que a expansão da pós-graduação também mostrou crescimento bem maior nas regiões antes menos favorecidas; estudos focais (e.g. Marins & Costa, 20151) têm mostrado uma redução da desigualdade de gênero e um aumento da presença de minorias na geração de conhecimento em diversas áreas. Entretanto, o perfil socioeconômico dos estudantes de pós-graduação foi alterado de forma significativa? É possível perceber um contingente expressivo de alunos oriundos de classes socioeconômicas de menor renda? Conseguimos a mobilidade discente fundamental para a redução da assimetria dentro de uma mesma região? Uma análise preliminar realizada recentemente entre bolsistas de Iniciação científica, mestrado e doutorado, mostra que embora ainda longe do ideal, parece que avançamos bastante.

No período de 6 a 14 de maio de 2015, a FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) realizou um levantamento, através do envio de questionário por meio eletrônico, para todos os bolsistas de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado, que recebem este benefício da FUNCAP, a fim de avaliar dados socioeconômicos que permitissem analisar o impacto do programa de bolsas da Fundação. A pesquisa foi espontânea, isto é não havia qualquer obrigatoriedade do bolsista para preencher o questionário e não era solicitada a identificação do respondente. O questionário foi enviado para um total de 1.713 bolsistas das diferentes categorias vigentes na época (http://dados.funcap.ce.gov.br/). As perguntas incluíam o nível de renda familiar, local de residência, local de desenvolvimento de seu curso, origem geográfica do bolsista, e informações sobre seu ensino médio foi realizado em escola pública ou colégio privado.

Do total da amostra, 872 responderam, representando 51% do universo amostrado, caracterizando a pesquisa como altamente representativa da realidade. Estas respostas também mostraram distribuição proporcional ao número de bolsas vigentes em cada categoria, com maior participação de bolsistas de Iniciação Científica, que representam 47% do total de bolsistas e 46% dos respondentes, seguido pelos de Mestrado que representam 34% do total de bolsistas e 20% dos respondentes, e de Doutorado que somam 19% do total de bolsistas com 24% dos respondentes. Estes números atestam a fidelidade da pesquisa.

O resultado do levantamento mostrou que a ampla maioria dos respondentes (84%) estuda atualmente em universidades públicas, sendo 80%; 12% e 14% dos bolsistas de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado, respectivamente. Em relação à ao ensino médio, 46%, 34% e 15%, respectivamente cursaram escola pública, sugerindo infelizmente, que ao nível de doutorado ainda permanece uma grande predominância de alunos provenientes de escolas particulares. Porem o percentual elevado da origem em escolas públicas na iniciação científica aponta para uma redução futura deste quadro. Em relação do nível de renda; 68%, 54% e 32% dos bolsistas de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado, respectivamente, pertencem á famílias com renda inferior a R$ 2.000,00 (dois mil reais). Novamente, os menores percentuais estão entre os alunos de Doutorado, porem, um percentual maior que 50% entre os bolsistas de Mestrado e em, particular entre os de Iniciação Científica é constituído por estudantes oriundos de famílias de renda familiar menor que R$ 2.000,00 reais.

Assumindo o número médio de componentes da família no Brasil de 3,4 indivíduos por família, estes bolsistas usufruem de uma renda per capta de R$ 588,00; um pouco acima de meio salário mínimo, justificando sua inclusão na classe de pobreza estabelecida na Lei No 14,859, que foi instituída no Estado do Ceará em 28 de Dezembro de 2010, que dispõe acerca do conceito de pobreza, e que serve de suporte ao uso dos recursos originados no Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), por exemplo, além de outros benefícios sociais.

O resultado da pesquisa, embora restrito aos bolsistas da FUNCAP que correspondem a cerca de 40% dos bolsistas no estado do Ceará, mostra claramente o efeito das recentes políticas de inclusão, particularmente entre os bolsistas de Iniciação Científica, diretamente beneficiados por programas como o ENEM, PROUNI, bolsas institucionais para carentes e minorias, e expansão do ensino técnico publico.  Pose-se prever que em se mantendo a tendência verificada na pesquisa, em um tempo relativamente curso a presença de estudantes provenientes de classes de baixa renda, também aumentará entre os estudantes de Mestrado e mesmo de Doutorado, resgatando desta forma uma dívida social histórica em nosso País.

 

1. Marins, R.V. & Costa, J.B. 2015. Are Women Contributing Equally to the Oceanography Science in Brazil?  In: Maritime Women: Global Leadership; Momoko, K; Froholdt, W.E. & Loloma, L. (eds). Springer, Berlin. (http://www.springer.com/us/book/9783662453841).

 

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foto_prof. DRUDEProf. Dr. Luiz Drude de Lacerda
LABOMAR/UFC

ldrude@fortalnet.com.br