POEMA

Seus olhos

Doce alegria,

Doce ilusão, poder mergulhar em seu paladar.

Deslizar-me entre tuas mãos.

Acomodar-me no frescor de teu hálito.

 

O que me dizes, o que é?

Teu olhar me segura, me convida a sentar.

Face a face contigo, por toda a noite eu me faria

Lua peregrina.

 

É de Deus que me falas.

É de amor que transbordas.

Mas, sou eu somente que o sinto?

Não! Deus visitou-me nestes dias.

 

O Criador do Universo teve compaixão de mim.

Aquele que fez o cosmo e o infinito.

Que fixou as estrelas, que modelou todos os astros e planetas.

Permitiu-me, antes de morrer, te contemplar.

Agora eu sei como são os olhos de Deus.

São como os teus: imensidão e acolhimento.

 

Ah! Deus, como de ti escapar?

Como ir para longe de teu amor?

Tu és minha vida, não sobreviveria sem tua misericórdia.

 

Ouvir-te é uma graça. Uma graça de Deus.

Cada palavra pronunciada, carregada de profundo amor.

Revestida estás de amorosidade.

Doce olhar, me abandono em ti.

 

És tu privilegiada entre miríades das miríades.

Contemplas o Filho, tomando-o em teus braços.

Tanta confiança em ti depositada.

Tanto amor compartilhado neste olhar.

 

O que fazemos em silêncio?

Nos unimos. Oh! Minha alma bendita.

Doce Mãe de Deus.


POEMA

Silêncio

 

Seduz-me.

Enlaça-me.

Absorve-me.

Não quero escapar.

Quero demorar-me aqui por toda a vida.

 

Embriago-me.

Minhas forças me deixam.

Aquieta-me.

Eis que me arrebata e me transportas ao mais recôndito lugar.

Nada nos disturba.

Somos eu e tu. Nos tornamos nós.

 

Compreendo o propósito do encontro.

A benevolência do Eterno para comigo.

Contemplar-te era minha sina.

Olhar-te e unir-me a ti: eis minha vida.


POEMA

Eu e Tu 

Reconhece-me?

O que sabes de mim?

Maravilhoso é saber quem somos. E quando alguém nos enxerga de um modo ainda desconhecido, nos encantamos.

Queremos ser vistos. Notados. Estamos aqui. Sim, estamos aqui. E você me vê, me lê, me decifra.

Me olhando, me conhecendo sinto tua presença.

O diálogo se estabelece.

 

Eu te olho, igualmente.

Te percebo neste mundo.

A angústia da incerteza, da importância, do sentido da existência. Tudo isso encontra repouso sob teu olhar.


POEMA

Posse 

Essa sensação de bem-estar profundo que tenho ao te olhar, me desperta a vontade de permanecer ao teu lado.

Te fitaria os olhos por toda a Eternidade. Não me cansaria.

Pela janela, à noite, vislumbro o amor que cavalga em silêncio sobre o dorso das silenciosas nuvens.

Deito-me sobre o véu suave de teus cabelos.

Permanecerei somente no desejo?

 

Entrego-me a imagem.

Fantasio. És minha.

 

Mas o olhar é voraz.

Canibal.

Insuficiente, mesmo assim

O que busco é comunhão, o contemplar-te. O ouvir-te.

 

Murmuras, pois. Não importa o tempo e o lugar.

Rouba-me para ti. Toma-me. Faz-me vassalo. Te escuto.


POEMA

Retração

Eu, pobre e feio, velho e doente. Louco, por sinal.

O que tenho a oferecer para o resto de teus dias?

Que convivência infeliz. Sou culpado.

 

Tu, rica e linda, jovem e saudável. Lúcida, por demais.

Minhas mãos não conteriam as flores.

Arderias em paixão e, sem ver a luz do dia, o abismo seria tua morada.

 

Então, absurdo temor, reservo-me a escrever?

Não ousarias a dançar?

A vida não é curta. Curta é a esperança dos que não te olham. Doce criança.

Então, do que falo?

O que recito?

Uma desculpa. Uma vergonha. Um temor. Um “não devo”. Um “não sei o que vai acontecer”.

Ilusão. 


POEMA

Infinitamente 

Tenho sede do infinito. E o infinito, somente, me bastará.

A face do amor procuro. Mas, asas precisas para voar.

Ir às alturas. Aventurar-se na solidão aparente.

Feito águia, que faz seu ninho distante.

E no tempo certo estabelece vínculo.

 

Mas o vínculo não é prisão.

É acolhimento e aceitação.

Do amor, do outro que vive.

Sob os efeitos do mar profundo.

 

POEMA

Ilusão 

Meu engano, meu erro: acreditar que podes me curar.

Aí me abandono, entrego-me na busca de cuidado, de amparo.

Na busca de suportar essa dor, esta árida solidão.

E aí, enlaço-me. E depois me desenlaço.

Vou. Sozinho.

E tu o que te tornas? Doce lembrança.

E eu? Cruel.

 

Na longa jornada, sento-me sob o carvalho.

Na longa jornada, a mãe do azeite me alivia.

Uma vez revigorado, ponho-me a caminhar.

Mas, a quem devo tudo isso narrar?

A ti? Se Deus somente me cura, então é para ele que me volto.

 

Desnudo-me. Infinitamente. 

 

POEMA

AFORISMOS

As palavras podem ser um engodo. Um amontoado de sentidos.

É preciso localizar a cicatriz. Ali tudo começa.

 

Usar máscaras, nem sempre é sinal de indiferença.

O medo de não sermos aceitos, nos obriga a aparentar.

Mas, quem precisa ser aceito? Quem não se afirma.

 

Queres saber com quem caminharás?

Com quem conversas? Com quem o inverno parece primavera?

Com quem a noite te parece uma valsa? Eis, é ele (a).

 

Os diferentes se aproximam. Mas, no final é choro e lamento.

Os semelhantes se aproximam. A festa não terminará antes da aurora.

 

Melhor um copo pela metade do que vazio.

Melhor um coração sereno do que lágrimas.

 

A paixão atormenta o indeciso.

O homem forte realiza sua vontade.

 

Por um instante eternizaria esse momento.

Mas, por um instante somente.

Por um instante silenciaria o mundo.

Mas, por um instante me afogaria em teu peito.

Por um instante violaria o destino.

Mas, por um instante me recolheria em tua mão.

 

Ah! Deus. Quão complexo sou.

Um novelo inútil teci.

Para tão somente dizer, que este olhar me estremece.

Preciso dançar. Não ouves a canção?

 

Ora, o pathos é temporalidade.

Quando o que faz sentido se vai, a escrita cessa.

Até que outra vez outro vírus me infecte.

Então, vivo.

 

cléber domingos-h150

Prof. Cléber da Silva

Departamento de Farmácia/FFOE
cleberd@ufc.br