Onde está o poder?

filmes_8653_Eles03Ada Kroef e Gisele Gallicchio

Num grande filme, como em toda a obra de arte, há sempre algo aberto.

 Gilles Deleuze

           O sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar.

João Guimarães Rosa

 

Este artigo procura apresentar a microfísica das relações de poder numa perspectiva que trama Foucault, Deleuze e Guattari com a história relatada no filme Eu Tu Eles.  Este filme dirigido por Andrucha Waddington é baseado em fatos ocorridos no sertão nordestino de uma mulher que vive, simultaneamente, com seus três maridos e seus filhos sob o mesmo teto, escapando dos padrões morais e dos modelos familiares vigentes em nossa sociedade. Inúmeras leituras podem ser feitas das relações que ali se instauram, além de constatá-las inusitadas.

            Na tentativa de seguir Deleuze, quando propõe que é preciso evitar simplesmente descrever os filmes, mas também aplicar-lhes alguns conceitos vindos do fora[1], buscamos conceitos na filosofia, na história e na sociologia para tecermos esta análise. A filosofia e o cinema constroem planos. Assim como a filosofia põe o pensamento em movimento, o cinema põe movimento na imagem. Na filosofia, os conceitos estão sempre em relação de vizinhança, compondo um plano de imanência, uma imagem do pensamento. No cinema, a imagem nunca está só; o que conta é relação entre as imagens[2].  A imagem torna-se pensamento. Ela é capaz de apreender os seus mecanismos, assim como constituir um plano de imanência.

Um filme aborda a riqueza, a complexidade dos personagens-agenciamentos, das conexões, das disjunções, circuitos e curto-circuitos, produzidos nas relações de forças. As possibilidades de agir-reagir às situações, nunca passivamente, são captadas e reveladas como algo intolerável, insuportável, mesmo na vida mais cotidiana. Um filme desnaturaliza o cotidiano e a paisagem.

A história começa com Darlene grávida despedindo-se de sua mãe para encontrar o noivo na Igreja da vila. Longa espera em vão. Ela abandona o véu e toma a estrada. Quando retorna com seu filho, por ocasião da morte da mãe, ela aceita o acordo de casamento proposto por Osias. Osias é um homem branco, velho e com muitas posses para os padrões da região. Após o casamento, Darlene trabalha nas lidas da casa e na lavoura de cana-de-açúcar. Tudo o que ganha entrega para seu marido. Quando nasce seu segundo filho, Osias fica desapontado, uma vez que a criança é negra. A aridez do sertão e das relações resulta em uma frustrada tentativa de fuga de Darlene. Zezinho, primo de Osias, vem morar na casa por determinação do proprietário que comunica à sua mulher. Zezinho transforma o dia-a-dia da casa, partilhando inúmeras atribuições domésticas com Darlene. Nasce o terceiro filho com os olhos azuis do primo. Na lavoura, Darlene encontra Ciro, um moço bonito, que também passa a morar na casa por decisão de Osias. A chegada do quarto menino, filho de Ciro, tensiona esta rede de relações de forças. A história vivida pelos personagens deste filme possibilita pensar como o poder funciona, já que inúmeros mecanismos e saberes são ativados, indicando que não há um centro de poder, nem um único detentor de poder.

A tendência mais imediata consiste em inserir os personagens em uma forma dicotômica de poder para procurar explicar as condições que produziram estas relações a partir do corte de classes e ou de gênero. Desta maneira, o poder é distribuído entre quem o detém e quem não o possui. Foucault afirma que o poder não tem centro e, portanto, não se prolonga de cima para baixo, partindo de um estrato superior para os níveis mais baixos da sociedade. Ele propõe não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo: o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação (…). Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles[3].

O autor rompe com a noção de poder como centro de decisão. Esta corresponde exclusivamente ao domínio jurídico-político. Assim, ele distingue as formas regulamentares e legítimas de poder em seu centro com seus mecanismos gerais e efeitos constantes das formas e instituições mais regionais e locais, nas ramificações onde são vividas, a capilaridade do poder que ultrapassa as regras do direito, se prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas, encarna práticas reais e efetivas, constitui corpos como sujeitos e efeitos de poder. As noções de dominação e de sujeição ganham um novo sentido, uma vez que elas transbordam a legitimidade e a obediência: por dominação não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade, as múltiplas sujeições que existem e que funcionam no interior do corpo social[4].

Afirmar que o poder não tem centro, nem uma só direção, não significa que inexista a constituição de uma forma hegemônica de poder. Entretanto, esta resulta das capturas, dos deslocamentos e das modificações das técnicas e dos procedimentos do poder existentes na microfísica das relações, nas ramificações da sociedade. Estes movimentos são absorvidos por fenômenos mais globais, configurando poderes mais gerais ou lucros econômicos, os quais se inserem no jogo destas tecnologias de poder que são, ao mesmo tempo, relativamente autônomas e infinitesimais[5].

É nesta microfísica, exercida no cotidiano, que os personagens circulam, exercendo, sofrendo, reproduzindo, agindo, reagindo, criando. Eles se tornam agentes e efeitos de poder, constituindo-se e sendo constituídos por estas forças que envolvem corpos, gestos, discursos e desejos. No momento em que o poder é exercido em rede, não há mais um sujeito que o possui.

A freqüente divisão do poder em pares opositivos, dominante/dominado, branco/negro, homem/mulher, aparece no texto de apresentação do filme em VHS e DVD: A vida de Darlene é sofrida como a de tantas outras mulheres do sertão nordestino. A única diferença é que, pelas voltas da vida, vive com três maridos, que vão se juntando e partilhando a mesma casa. O sertão nordestino remete usualmente a um mundo povoado por contrastes, cujo poder dos fazendeiros, os coronéis, está legitimado pelas grandes propriedades de terras, pela exploração dos bóias-frias, pela sazonalidade do trabalho e das secas, e, acima de tudo, pela submissão de uma população pobre.

Estes contrastes são acentuados nas imagens do sertão, exaltando a imensa aridez que margeia o verde dos canaviais. Enquadramento da ausência e da cor que sugere a lavoura como unidade produtiva. Se absorvido pela lógica capitalística (do ponto de vista do lucro), o sertão é considerado zona estéril. Ele, assim compreendido, é tomado como cenário, como representação que reflete os contrastes e a miséria do nordeste.  Entretanto, o sertão é superfície de uma produção de mecanismos e estratégias que emergem das relações com a aridez, que sobrevivem pela mobilidade e deslizam pela incerteza. Esta superfície de uma rica composição ética e estética gera novas percepções do mundo para além do lucro e da lógica do capital. Deste modo, o sertão passa a ser paisagem, potência e criação que se atualizam em acontecimentos.

A figura feminina, inserida na perspectiva sertão-cenário, reforça a posição dual e hierárquica da mulher totalmente desprovida de qualquer forma de poder. A maneira com que a diferença é apontada no texto de apresentação do filme corresponde à exceção de uma generalidade, de uma constante que perpassa a vida de todas as nordestinas. Esta diferença vivida por Darlene está longe de ser representação da exceção e/ou negação de uma regra, visto que assinala uma potência e afirma a singularidade. Ela é exercida nas relações cotidianas, constituindo uma lacuna, um deslocamento de juízos que fundamentam nossa moral, a qual tem por referência o modelo eurocêntrico, burguês e moderno de família e de condutas. Diferença afirmada como ruptura com o escalonamento e a estratificação das forças segundo um eixo.

O sertão-paisagem nos remete, em várias circunstâncias, à solidão. A solidão de Darlene é anunciada nas primeiras cenas, quando percorre sobre um jegue, vestida de noiva, o caminho para a igreja da vila. Lá, à espera do noivo, vislumbra um entardecer solitário, mas de uma solidão extraordinariamente povoada. Não povoada de sonhos, de fantasmas ou de projetos, mas de atos, de coisas e até de pessoas. Uma solidão múltipla, criativa[6].

A decisão de Darlene em jogar fora o véu e abandonar a vila, rumando para o desconhecido, indica uma recusa a um centro, a um juízo, à organização da vida segundo posições e valores predominantes e determinados. O juízo envolve operações segundo um conjunto de valores transcendentais que compõem os enunciados, servindo como referência para a doutrina do julgamento. Conforme Deleuze, o juízo implica em uma verdadeira organização dos corpos, através da qual ele age: os órgãos são juízes e julgados, e o juízo é o poder de organizar ao infinito[7]. Assim, o juízo institui um plano transcendente que estabelece uma relação entre a existência e o infinito[8], derrubando e substituindo o sistema de afectos. Este sistema de afectos envolve as relações finitas do corpo existente com as forças que o afectam. É uma relação que se instaura entre os corpos segundo forças que passam entre as partes, provocando uma mudança de estado e nelas criando o afecto[9].

O juízo impõe uma vinculação do corpo a um modelo, seja divino, seja científico. Nele, a existência recortada em lotes, os afectos distribuídos em lotes são referidos a formas superiores[10]. O combate consiste numa substituição do juízo. Ele aparece contra o juízo, contra suas instâncias e seus personagens. Porém, o próprio combatente é o combate entre suas próprias partes, entre as forças que o subjugam ou são subjugadas, entre as potências que exprimem essas relações de forças[11].

É possível tomar Darlene como combatente e marcar alguns de seus combates. Combate-contra a família nuclear, a filiação e descendência patrilinear, o matrimônio monogâmico e autoridade do marido, a fidelidade, a propriedade e o contrato; e, o combate-entre as forças que se recompõem e constituem um novo conjunto, criando regras facultativas que fogem do juízo, da moral, e sinalizam uma ética.

A decisão assinala o combate de Darlene em algumas ocasiões: a decisão não é um juízo, nem a conseqüência orgânica de um juízo: ela jorra vitalmente de um turbilhão de forças que nos arrasta no combate[12]. A vitalidade não-orgânica da decisão é a relação do corpo com forças ou poderes imperceptíveis que dele se apossam ou dos quais ele se apossa[13]. Nestes movimentos de recusa e reversão do juízo e do poder jurídico-político, ela abandona o sonho[14] rumo ao desconhecido; estabelece uma cumplicidade com Zezinho; experimenta o prazer e a festa com Ciro.  Nessas relações, eles fogem dos padrões, embaralham as hierarquias e as posições, burlam as normas, percorrem zonas incertas, onde os poderes se enfrentam, produzem práticas que acenam para um novo estilo de vida.

Darlene e seus companheiros ativam saberes. Estes saberes, que não têm pretensão de verdade, são entendidos como saberes locais. Os saberes são periféricos, locais, regionais com sentidos e vetores variados. Foucault afirma: não é de forma alguma um saber comum, um bom senso, ao contrário, um saber particular, regional, local, um saber diferencial, incapaz de unanimidade e que só deve sua força à dimensão que opõe a todos aqueles que os circundam[15]. Os saberes se reproduzem como formas de relações de forças, formas de poderes. Poder e saber são, portanto, inseparáveis: poder-saber.

Os saberes, práticas discursivas do sertão, dão visibilidade às intensidades vividas. Eles indicam a geração de mecanismos cuja mobilidade percorre uma realidade imprecisa e imprevisível[16]. Saberes capazes de deslizar pelos acontecimentos, ganhando contornos sempre novos e inusitados.

O sertão-paisagem é habitado pela caatinga, vegetação que recebeu dos índios tupi-guarani o nome de “mata branca”. A mata branca atravessada pelo latifúndio verde desenha o rosto do nordeste. O rosto é um mapa. Seus traços determinam um modelo, uma imagem, uma sobrecodificação que identifica, reconhece e subjetiva. O rosto é uma política. Ele engendra o poder e o explica, articulando uma economia e uma organização[17]. O sertão compõe uma superfície que, ao mesmo tempo, se estria, se dobra – conformando um rosto que configura esta política – e se desfaz no caos, constituindo uma paisagem.

Foucault sinaliza a necessidade de verdade para incitar a produção de uma economia e de uma política[18]. Ele ressalta a indissociabilidade entre poder, verdade e direito. Em seu entendimento, a verdade corresponde a um conjunto de procedimentos regulados para produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados.  A “verdade” está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e a apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. “Regime” de verdade[19]. O poder reconhecido como e pelo direito é sustentado por um conjunto de enunciados que lhe confere o estatuto de lei. O autor assinala que a verdade não existe fora do poder ou sem poder[20]. Ela é deste mundo, é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder.  Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir uns dos outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. Portanto, o regime de verdade estabelece contornos, define posições e hierarquias, faz funcionar uma relação de legitimidade e poder, segundo traços jurídicos-políticos. Esta concepção jurídica ou liberal de poder político, encontrada na Filosofia das Luzes e na teoria crítica, toma o poder como um direito, como um bem: a constituição do poder político se faz segundo o modelo de uma operação jurídica que seria da ordem contratual. Neste sentido, o possuidor deste bem pode transferir ou alienar, total ou parcialmente, por um ato jurídico ou um ato fundador de direito, que pertence à ordem da cessão ou do contrato[21]. Este poder é regulamentado e regulamentador, determinando o que deve ser considerado legítimo através de aparelhos e equipamentos que atuam na esfera do Estado. Assim, tudo que é registrado nesta esfera passa a ter valor de verdade e de direito, já que amparado legalmente.

  No sertão, o coronel representa a lei, impondo-a pelo uso de diferentes instrumentos e recursos. A lei do Coronel imperava tanto na roça quanto na cidade, ele possuía uma polícia própria, denominando seus membros, segundo a região, de capangas e jagunços, “gente do Coronel”, camaradas ou cabras. Entre seus recursos coercitivos estão diversos critérios de persuasão: usava-se como principal arma a desmoralização pessoal, a calúnia, o corte de crédito, até a agressão e expulsão[22].

A entrega do primeiro filho, Dimas, ao pai biológico e coronel da região, na porteira da fazenda demarca a rígida fronteira entre o poder legitimado pela lei, pelo direito e pela propriedade e as estratégias de sobrevivência engendradas por Darlene e seus pares. Na fronteira do latifúndio, ela repassa o menino ao coronel. Em nenhum momento aparece o rosto deste personagem. As tomadas são feitas enfocando-o de costas ou da cintura para baixo. Campo de visão do menino frente ao estranho que lhe arrasta. Misto de desespero e tristeza em relação ao desconhecido e à longa estrada, anunciando a distância estabelecida. Ênfase aos signos de força (faca, relho e revólver), demarcando a figura do coronel como um rosto. Rosto de uma política que caracteriza a dominação juridicamente estruturada pelo Estado brasileiro: o coronelismo. Os coronéis podem ser vistos como representantes de uma oligarquia agrícola-mercantil que controla o poder público e orienta suas decisões no sentido de afastar as demais classes do poder. A situação de dependência se reproduz na sociedade civil de perfil paternalista e na acentuada diferença econômica entre as classes sociais. A dominação é exercida através de um encadeamento hierárquico rígido, no qual o Coronel representa o poder local, imediatamente superior ao pai de família. O papel do Coronel só é compreensível quando se distinguem as bases econômico-sociais que lhe conferem autoridade, quando se precisa a posição que ocupa na hierarquia política e quando se explicita a função que exerce dentro das classes proprietárias[23]O coronelismo barra os movimentos éticos, estéticos e políticos de ruptura com os modos de subjetivação capitalísticos. Este rosto define zonas de freqüência ou de probabilidade, delimita um campo que neutraliza antecipadamente as expressões e conexões rebeldes às significações conformes[24].

Osias não é um coronel, porém reproduz as relações que lhe conferem esta autoridade a partir do contrato e da propriedade, garantindo seu reconhecimento na hierarquia doméstica ao efetivar esta lógica. O pedido de casamento para Darlene é mediado por um acordo em que menciona seus bens, prometendo transferi-los para a esposa. Durante a festa, chaveia a porta da casa para os convidados não entrarem. Darlene reclama, pois quer guardar os presentes, argumentando que se tornou a dona da casa. A resposta de Osias reativa sua posição: A casa era acordo do casamento, era tua. Agora que tu és minha propriedade, mudou tudo. Ele, como proprietário, exerce o direito de mando e de exploração do trabalho daqueles que agrega em seu domínio.

Desfazer o rosto coronelista implica em produzir linhas de fuga, traçar novos planos, ultrapassar os estratos de significação e subjetivação, fazer do sertão uma paisagem, um mundo desterritorializado. Sertão-caos como um espaço liso, aberto, uma matéria informe à espera de ser organizada. Darlene efetua um mergulho no sertão-caos, ligando-se a inúmeras possibilidades de inventar o mundo.

A aridez no sertão-paisagem produz linhas de fuga. O encontro com a escassez é marcado pela evaporação da água que provoca mutações na paisagem. O riacho é transformado em poça, o verde desaparece da vegetação, os mantimentos vão acabando e Osias continua deitado em sua rede, ouvindo o seu rádio que, agora, apresenta ruídos. Escassez-ruído que intercepta fluxos e trocas. Trocas que não constituem semelhanças, simetrias, ambivalências estruturais ou equivalências econômicas, mas traços dos acontecimentos. Trocas que alteram, adulteram, cruzam, mudam, transformam e operam por potencialização. Interceptação que adultera sentidos, muda direções, disparando um aumento na potência de agir. Darlene altera as condutas e as relações do modelo familiar sem constituir um adultério, mas engendrando uma adulteração.

A escassez provoca nova decisão. Darlene abandona a casa com seus filhos, misturando-se na paisagem junto com o anoitecer. Linha de força capturada por Osias, que a resgata na tênue vereda, retornando para casa. Ela retoma sua posição no trabalho cotidiano, nos padrões domésticos estabelecidos. Em sua rotina, lavando roupa, faz voar o pensamento. As roupas flutuam na água em diferentes direções. O recorte desta cena dá ao açude a potência do rio. Aos gritos, Zezinho interrompe este fluxo, “salvando” as roupas que, ironicamente, tinham seu movimento limitado pelas margens fixas, pela água barrada.

A interceptação de Zezinho desvia Darlene das relações instituídas por Osias na casa. O agenciamento Zezinho-Darlene produz uma nova configuração de forças, escapando das funções domésticas e dos modelos matrimoniais. Zezinho compartilha a vida com Darlene, suas alegrias, suas decepções, suas atribuições. Ele desvia e é desviado, rompendo com os padrões masculinos, passa a executar as tarefas anteriormente destinadas à mulher (cozinha, lava roupa, serve café, faz a barba de Osias). Nesta rede, seu poder é imperceptível ao primo que comenta: Zé é homem, mas não é muito, não. Ele é considerado uma espécie de segunda esposa, não colocando em risco os domínios de Osias.

O encontro de Ciro com Darlene gera afectos alegres, um aumento na potência de agir. Ciro provoca mutações nas relações e na rotina da casa, especialmente nos modos de percepção do dia-a-dia. Ele nomadiza o cotidiano, transpondo o mundo da repetição para uma disposição que passa a relacionar os acontecimentos a novas concepções de mundo, a possibilidades de saída do espaço doméstico e do trabalho – as festas, as brincadeiras com as crianças. Ciro é o único que brinca com as crianças, possibilitando a traquinagem, a travessura, a dispersão, o riso. Risos que traçam as linhas de fuga de um pensamento-nômade. A interceptação de Ciro na vida dos personagens provoca – além de ciúmes e de rearranjamentos das relações de poder – a brincadeira, o canto, a dança… A festa junina no parque de diversões da vila marca estes afectos.

Novas relações de forças se estabelecem com as presenças de Zezinho e Ciro, ativando recursos sutis de vigilância disparados pelo dono da casa. O nascimento do menino de olhos muitos azuis faz com que Osias retire Darlene e o bebê de seu quarto, sob o argumento de que não suporta zoeira de criança. Zezinho passa a dormir com ele até a chegada de Ciro. Nesta ocasião, outra troca é realizada. Agora, Darlene volta para seu antigo aposento com o marido, enquanto Zezinho e Ciro dividem o quarto com as crianças. Estas ações assinalam o funcionamento de um outro mecanismo de poder, a disciplina, a qual se apóia nos corpos e nos atos e se exerce continuamente através da vigilância[25].

A disciplina escapa ao código e à lei. Ela veicula discursos e práticas que atuam na esfera da norma, fazendo funcionar estratégias e saberes que penetram na capilaridade das relações. A disciplina consiste na arte da distribuição das forças no espaço e no tempo. Ela ativa mecanismos de um poder constante, múltiplo que penetra nas tessituras e fabrica indivíduos, os quais passam a exercer este poder, tornando-se, ao mesmo tempo, objetos e instrumentos de seu exercício[26].

Nas relações entre os personagens, distribuem-se hierarquias bem definidas: o dono (em primeiro lugar), a dona da casa, os filhos e o primo, cuja presença no núcleo doméstico é permitida por estar em conformidade com os padrões da região devido ao grau de parentesco. Zezinho obedece a Darlene sempre que sua ordem é endossada por Osias. A participação de Zezinho na vida familiar é questionada, colocando a norma em xeque. Do mesmo modo, Ciro abala os padrões aceitos como normais pelo agravante de ser um agregado sem nenhum vínculo sangüíneo. Em inúmeras cenas, aparece o discurso vai ficar mal falado, o povo vai falar, estão falando… Este discurso aponta para a vigilância que é exercida entre e sobre os componentes da casa. Ele tem um poder coercitivo que atua e é utilizado em diferentes direções, criando estratégias e reações em cada elemento desta rede. Zezinho usa tal discurso como um recurso para recriminar a acolhida do moço e impedir a permanência de Ciro. Raquel, irmã de Osias, também aciona este mecanismo ao questionar a presença de Zezinho, primeiro, em sua própria casa, e depois, na casa do irmão. O programa de rádio anuncia a depravação moral da família que vem se associando com a presença de agregrados e bastardos nas fazendas dos homens de bem.

Em certas circunstâncias, Osias retoma o padrão de pai de família. No momento que Ciro aceita o convite de Darlene para jantar, Zezinho recusa e Osias intervém: a casa é minha, a mulher também e o moço fica. Em seguida, faz Darlene sentar a seu lado, abraçando-a, e dá ordens para que ela faça o jantar com os mantimentos que o moço trouxe. Nesta disposição, os papéis e as funções respeitam os modelos da família normalizada.

O poder disciplinar também se efetiva fora da esfera da casa, quando Zezinho convence Osias em levar o almoço quentinho para Darlene na lavoura. Esta prática não apenas demonstra afeição e cuidado, mas também uma forma de controle sobre ela. Controle que ora escapa, ora converge para os interesses do marido. A construção do ‘puxadinho’ para Ciro, sugerida por Darlene, defendida por Zezinho e erguida por Osias, afirma a circulação do poder que, simultaneamente, se adequa e foge ao padrão e à norma.

As transformações ocorridas, no interior e na ampliação da casa, não indicam apenas a eficácia da vigilância, mas mecanismos sutis que extraem, com maior eficiência, trabalho dos corpos.

Foucault observa que a norma exerce um domínio fora da ação jurídica e da lei. O poder disciplinar opera distribuições através da norma, gerindo investimentos em torno da vida. Vida entendida como necessidades fundamentais, como essência concreta do homem: a sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida[27]. Seus mecanismos agem sobre os corpos, a saúde, as maneiras de se alimentar e de morar, as condições de existências. Eles regulam da reprodução biológica à produtividade do trabalho, constituindo uma economia que penetra em todas as instâncias sobre corpos e ações.

Osias apela para a lei e para o direito, visando produzir e assegurar a verdade, quando percebe a sua fragilidade nas relações microfísicas de poder.  A impossibilidade de garantir biologicamente a reprodução da vida – detectada por Darlene ao comentar com Zezinho que Osias não sabe fazer filho, não – retira dele a supremacia hierárquica no modelo disciplinar de família. Diante do risco de perder Darlene e seus filhos, ele apela para o registro oficial dos quatro meninos. Os nomes, ao serem inquestionavelmente escolhidos por Osias por ocasião dos seus nascimentos, indicam o movimento de supremacia e veredicto frente os demais componentes da casa. Entretanto, a possibilidade de partida de Ciro e Darlene com crianças acena para a perda da força de trabalho e do atendimento às suas necessidades. Os certificados e a lei acionam equipamentos que convergem as forças de Osias para um tipo de organização e de economia, procurando reter e barrar as linhas de fuga.  A segurança de Osias consiste na fixação, não apenas fisica, mas das relações que reconhecem seu poder na esfera jurídica, mesmo que as práticas cotidianas corram em outras direções e sentidos.

As relações de forças disparadas por Darlene estabelecem rupturas com a norma e com a lei. Seus componentes engendram processos de singularização, novas possibilidades de vida, que não possuem referentes legitimados pela moral, pela verdade, pela ciência e pelo direito. Estes processos tendem a ser considerados desviantes, marginais, excepcionais, segundo julgamentos e investimentos de enquadramento e/ou dissolvição. Neles, há um desvio da moral, do caráter coercitivo, arbitrário e limitante atribuído pelos valores e juízos transcendentais que qualificam as ações em representações do Bem e do Mal.

Os movimentos instituídos pelos personagens apontam para uma ética, inventando novos modos de existência segundo regras facultativas, capazes de resistir ao poder bem como se furtar ao saber, mesmo se o saber tenta penetrá-los e o poder tenta apropriar-se deles[28].  Para Deleuze e Guattari, a ética é composta pelos afectos, perceptos e conceptos, correspondendo a três gêneros de conhecimento, que também são modos de existência e de expressão[29].  Esta ética rompe com a transcendência, erigindo um plano imanente aos acontecimentos. Os afectos constituem relações de forças, efeitos de um corpo sobre outro, produzindo estados (e devires). Os signos ou afectos precedem e bifurcam em conceitos, uma vez que selecionam, aproximam e/ou afastam, os componentes, as linhas, as consistências. Portanto, a ética diz dos estados, indicando qualidades boas ou más que são geradas nas relações estabelecidas. Ela escapa aos juízos Bem e Mal, não havendo modelos a serem remetidos ou instaurados. Há somente relações, velocidades, movimentos e posições mutantes.

Darlene não é imoral, nem passível de julgamento, já que recusa o eixo de poder e os referentes. Sua resistência consiste em movimentos que escapam, burlam e embaralham os modelos. Ela ignora tanto o domínio jurídico-político, quanto à norma, operando em outras esferas e compondo novas maneiras de viver. A invenção de possibilidades de vida não diz respeito à existência como um sujeito, mas como obra de arte[30].  A vida de Marlene/Darlene[31] é uma obra de arte, não somente porque virou filme, mas pela sua potência de criação de um novo estilo, afirmando a singularidade cantada por Gilberto Gil[32]: o amor daqui de casa tem um sentimento nu, com gosto de umbú travoso, com cheiro de couro cru; o amor daqui de casa não atrasa no verão (bate asas no verão), faz parte da natureza (é parte da natureza) e arte do coração.

 

    Ficha Técnica
Título Original: Eu Tu Eles
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 104 minutos
Ano de Lançamento (Brasil):
2000
Site Oficial: www.eutueles.com.br
Estúdio: Conspiração Filmes
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Elena Soàrez
Produção: Flávio R. Tambellini, Andrucha Waddington, Leonardo Monteiro de Barros e Pedro Buarque de Hollanda
Música: Gilberto Gil
Direção de Fotografia: Breno Silveira
Desenho de Produção: Marcos França
Direção de Arte: Toni Vanzolini
Figurino: Cláudia Kopke
Edição: Vicente Kubrusly

 

Elenco
Regina Casé (Darlene)
Lima Duarte (Osias)
Stênio Garcia (Zezinho)
Luiz Carlos Vasconcelos (Ciro)
Nilda Spencer (Raquel)
Diogo Lopes (Vaqueiro Negro)
Helena Araújo (Mãe de Darlene)
Iami Rebouças (Moça do forró)
Lucien Paulo (Capataz)
Herbert Medrado (Dimas – 1 ano)
Joanderson Cruz (Dimas – 4 anos)
Jocemar Damásio (Dimas – 6 anos)
Ariélson dos Santos (Edinardo – bebê)
Pablo Silva (Edinardo – 1 ano)
Jefferson Sousa (Edinardo – 4 anos)
Vítor da Conceição (Edinardo – 6 anos)
Lucas de Castro Silva (Edinaldo – bebê)
João Lucas de Barros Neto (Edinaldo – 1 ano)
Jonathan Dantas (Edinaldo – 4 anos)
Alessandro dos Santos Ribeiro (Edivaldi – bebê)

 

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992.

__________  . Crítica e Clínica. São Paulo, Ed. 34, 1997.

DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil Platôs. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1996, vol. 3.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber.  Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1990.

__________  . Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1979.

__________  . Vigiar e Punir. Petrópolis, Ed. Vozes, 1996.

JANOTTI, Maria de Lourdes M. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1981.

ADA BEATRIZ GALLICCHIO KROEF, socióloga (PUCRS) e doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Publicou, entre outros: Interceptando Currículos: produzindo novas subjetividades (Revista Educação e Realidade, UFRGS, v. 26, n. 1, jan/jun 2001, p. 93-114); Cultura: efeitos e afetos (In: SIMON, Cátia C. et al. (org). Escola Cidadã: trajetórias. (Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação, Porto Alegre, 1999, p. 153-160.), Currículo como máquina desejante (24ª Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, MG, 7 a 11 de outubro de 2001, CD-ROM) e Uma Experimentação Filosófica na Educação Através de Personagens Conceituais. Contrapontos. Revista de Educação da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – , Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação – PPG/ME, v. 4, n.3, set./dez. 2004. p. 561-576. Atualmente, presta assessorias a secretarias municipais e de estado, fundações e escolas. E-mail: necakroef@terra.com.br

GISELE SOARES GALLICCHIO, historiadora (UFRGS) e mestre em história pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), é professora na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Publicou, entre outros: A Prostituição por uma Perspectiva Romântica. (In: NASCIMENTO, Mara Regina & TORRESINI, Elizabeth (orgs.). Modernidade e urbanização no Brasil (Porto Alegre, EDIPUCRS, 1998, Coleção Histórica, 24, p. 67-85); Nas Malhas da Rede (Cadernos Pedagógicos. Fazendo diferença: a educação especial na rede municipal de ensino de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Porto Alegre, nº 20, jan. 2000, p. 87-91); Influências da Cultura: diversificação do Turismo. In: ASHTON, Mary Sandra G. (Org.). Turismo: Sinais de Cultura. (Novo Hamburgo, Feevale, 2001, p.53-66) e Práticas Turísticas: processos de subjetivação. (In: ASHTON, Mary Sandra G. & BALDISSERA, Rudimar (orgs.). Turismo em perspectiva (Novo Hamburgo, Feevale, 2003, p.75-84). E-mail: gigallicchio@terra.com.br

 

Ada e Gisele, além deste artigo, produziram juntas: Devir empresário-sombra: mutações do mestre-aprendiz. II Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação. Caderno de Resumos, 18 e 19 de novembro de 2004, Rio de Janeiro/RJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, p. 13 e, na íntegra, no CD-ROM.

 

Texto publicado In: SOLTAU, André. “Palavra Nômade: o cinema nacional em pauta”. Ed. UNIFEB; Cultura e Movimento. Blumenau, 2005.



[1] DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992, p. 75.

[2] Ibidem, p. 69.

[3] FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1979, p. 183.

[4] FOUCAULT, M. Microfísica…, p. 181.

[5] Ibidem, p.184.

[6] DELEUZE, G. Conversações…, p. 51.

[7] DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. São Paulo, Ed. 34, 1997, p. 148.

[8] Deleuze afirma Nietzsche, ao destacar a condição do juízo, assinalando que o homem  só apela para o juízo, só é julgável e só julga quando sua existência está submetida a uma dívida infinita. DELEUZE, G. Crítica e Clínica…, p. 143.

[9] DELEUZE, G. Crítica e Clínica…, p. 145.

[10]Ibidem, p. 146.

[11] Ibidem, p. 149.

[12] Ibidem, p. 152.

[13] Ibidem, p. 149.

[14] Deleuze destaca que o mundo do juízo se instala no mundo do sonho, uma vez que é este que encerra a vida nas formas em nome das quais se julgam. Ibidem, p. 147.

[15] FOUCAULT, M. Microfísica…, p. 170.

[16] Janotti destaca, ainda que equivalendo à falta de uma legislação adequada, a grande mobilidade do trabalhador rural desta região: o trabalhador rural se caracteriza muito mais pela sua mobilidade do que sua fixação num mesmo local. Este traço não é exclusivo de Darlene, uma vez que atravessa as vidas dos habitantes do sertão como uma estratégia. Cf. JANOTTI, Maria de Lourdes M. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1981, p. 44-45.

[17] DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil Platôs. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1996, vol. 3,  p. 42.

[18] Foucault aponta cinco características do que denomina uma “economia política” da verdade: a “verdade” é centrada na forma de discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político);  é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante a limitações rigorosas);  é produzida e transmitida sob controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim,  é objeto de debate político e de confronto social (as lutas “ideológicas”). FOUCAULT, M. Microfísica, p. 12-13.

[19] Ibidem, p. 14.

[20]FOUCAULT, M. Microfísica…, p. 12.

[21]Ibidem, p. 174.

[22] JANOTTI, M. O coronelismo…, p. 60-61.

[23] Ibidem, p. 9 e 11.

[24] DELEUZE, G & GUATTARI, F. Mil Platôs… ,v. 3., p. 32.

[25] FOUCAULT, M. Microfísica, p. 188.

[26] Sobre o conceito de disciplina, cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Ed. Vozes, 1996.

[27] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber.  Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1990, p. 135.

[28] DELEUZE, G. Conversações…, p. 116.

[29] DELEUZE, G. Crítica e Clínica…, p. 156.

[30] DELEUZE, G. Conversações…, p. 116.

[31] A história do filme foi inspirada em Marlene, a partir de uma reportagem exibida em um programa de televisão.

[32] A composição O Amor Daqui de Casa faz parte da trilha sonora do filme Eu Tu Eles.