PRECISAMOS DE TODOS OS ADOLESCENTES

(publicado originalmente em “O POVO”, Fortaleza, 19 de fevereiro de 2015)

Um dos grandes problemas da urbanização brasileira é o aumento das desigualdades sociais que trouxe consigo fenômenos únicos, como o homicídio de adolescentes. Alguns desses fenômenos se tornaram tão graves que exigiram a criação de índices capazes de medi-los e monitorá-los. Índices sinalizam trechos específicos da nossa história e apontam para onde vamos como sociedade. O Índice de Homicídio de Adolescentes revelou que Fortaleza não contou ao final de 2012 com 9,9 adolescentes de cada grupo de mil jovens entre 12 e 18 anos, mortos naquele ano. Projeções indicam que outros 2.988 morrerão até 2019 se nada for feito hoje.

Não podemos nos esquecer dos jovens que morreram. É preciso investigar a história de vida desses meninos, as condições que a cidade ofereceu a eles para compreender quando começaram a deixar de viver – no sentido mais amplo da vida, de direitos garantidos, dignidade e respeito; saber se estudavam, se tinham sonhos, que ações foram feitas ou deixaram de ser que levaram ao fim precoce destas vidas. Diferente de investigações do sistema financeiro, onde se “segue o dinheiro”, nesse caso deve se seguir “onde faltou dinheiro”, “onde faltou atenção do Estado e da comunidade”.

Analisando outros dados, é possível ver que os bairros mais violentos são aqueles com menores investimentos e serviços públicos de qualidade. Isso não deve levar à leitura equivocada e reduzida que associa pobreza à violência. O que leva a situações extremas, como o homicídio de adolescentes, é a desigualdade – manifestada a partir de fatores como idade, gênero, raça e etnia, condição pessoal, renda e local onde se vive – consequência de uma sociedade excludente e da ausência do poder público na proteção integral de direitos sociais.

Admitir a fragilidade das políticas voltadas para infância e adolescência é fundamental para mudar este cenário. É preciso aumentar a presença do Estado com programas desenhados com as comunidades e os próprios adolescentes, interpretando suas demandas de maneira mais eficiente e duradoura, fugindo de respostas prontas.

Há muito que se fazer e já. Se falhamos com esses jovens, é hora de reparar o erro com as gerações que não foram interrompidas (como os filhos que certamente muitos deles deixaram) e com as que estão por vir. Em 2003, foram 83 homicídios. Em 2013, 526. Não é esse o crescimento que queremos. Temos de zerar essa conta. Então, um dia, o índice mais importante medirá não mortes, mas o desenvolvimento dos adolescentes, em que todos serão contados vivos.

 

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Prof. Rui Rodrigues Aguiar

Docente da FACED/UFC

Chefe do Escritório do UNICEF para o Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte 

rui.aguiar@ufc.br