VIDAS POR TRÁS DAS ESTATÍSTICAS

(publicado originalmente em “O POVO”, Fortaleza, 20 de fevereiro de 2015)

Na década de 1980, o Ceará ocupava a terceira posição em um ranking de Estados que chocava a opinião pública: o da mortalidade infantil. Para cada mil crianças que nasciam vivas, 111 morriam antes de comemorar o primeiro aniversário. A pauta da infância e da adolescência surgia forte no Brasil em meio à redemocratização. Muito mais do que uma mudança de nomenclatura, o conceito de sujeitos de direitos exigia de todos atenção prioritária para as demandas de crianças e adolescentes.

Essa atenção culminou no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que entre outros marcos assegurava o direito à vida desses meninos e meninas. Desde então, com muito esforço coletivo, o Ceará superou o drama da mortalidade infantil e seus resultados foram importantes para ajudar o Brasil a se tornar referência mundial na redução desse índice. Enquanto isso, nas duas últimas décadas, o número de homicídios de brasileiros de até 19 anos dobrou: de 5 mil em 1990 para mais de 10 mil em 2013. Em 2014, em média, a cada nove horas um adolescente de 10 a 19 anos foi assassinado no Ceará. Uma média próxima a três assassinatos a cada dia. Em 2015, embora tenha havido redução, o número ainda excede em muito o limite do aceitável.

Ou seja: grande parte das crianças que puderam ser protegidas no nascimento, graças aos avanços na redução da mortalidade infantil, vêm sendo assassinadas na adolescência, o que faz do Brasil o segundo país do mundo em número de adolescentes assassinados.

Entender as histórias de vida dos meninos e meninas que matam ou morrem é o primeiro passo para que sejam elaboradas políticas públicas que de fato protejam integralmente os adolescentes, permitindo o desenvolvimento de suas autonomias sem abandoná-los à própria sorte.

O esforço deve ser de cada um de nós, a começar pelo estranhamento e pela inquietação que nos levem não necessariamente a respostas, mas às perguntas certas. Por que matam? Por que morrem? Como evitar que essas histórias se repitam? Como evitar que mais de 40 mil meninos e meninas de até 18 anos sejam assassinados no Brasil até 2019, conforme a previsão do Índice de Homicídios de Adolescentes?

A solução passa por iniciativas como o desenvolvimento de políticas públicas de prevenção de mortes violentas com foco específico em adolescentes, investigação imparcial de todos os homicídios e produção constante de informações precisas sobre quantos e quem são os adolescentes assassinados. Por aqui, o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência é um passo importante nessa direção.

Para um número cada vez maior de adolescentes no Ceará, a expectativa de vida é de apenas 18 anos de idade. É preciso protegê-los enquanto é tempo.

 

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Prof. Rui Rodrigues Aguiar

Docente da FACED/UFC

Chefe do Escritório do UNICEF para o Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte 

rui.aguiar@ufc.br