Acidificação Oceânica

As concentrações de CO2 na atmosfera do planeta Terra eram de aproximadamente 280 ppm (partes por milhão) no início do século XX, há meros 115 anos atrás, em fevereiro de 2016 atingiram um recorde de 405,83 ppm (https://scripps.ucsd.edu/programs/keelingcurve/) e prevê-se que permanecerá acima de 400 ppm pela primeira vez, ao longo de todo o ano. Mantendo-se as tendências atuais das emissões de CO2, as projeções constantes no último relatório do IPCC sugerem que em meados do presente século esta concentração será mais do que o dobro dos níveis pré-industriais. Como agravante, a taxa de mudança atual nos níveis de CO2 atmosférico é muito mais rápida que durante qualquer evento nos últimos 65 milhões de anos.

Os oceanos absorvem entre 25 e 40% do CO2 emitido para a atmosfera incluído as emissões originadas em atividades humanas, esta propriedade dos mares do planeta agem como um amortecedor do clima global impedindo uma acumulação mais rápida do CO2 na atmosfera e consequentemente um aquecimento mais rápido do da mesma e resultando em uma mudança climática ainda maior que a que verificamos atualmente. O impacto do aumento de CO2 atmosférico na química do oceano é facilmente previsível, pois esta depende de processos relativamente simples e bem conhecidos. Embora, a longo prazo, as consequentes mudanças nos processos biogeoquímicos marinhos que afetam o ciclo do carbono tenham consequências muito difíceis de prever.

O aumento de CO2 atmosférico, aumenta a absorção nos oceanos, onde o CO2 se dissocia em ácido carbônico aumentando a acidez de suas águas, em média ligeiramente alcalinas, principalmente na camada superficial da qual depende praticamente toda sua produtividade biológica marinha, incluindo a totalidades da pesca em todos os mares do planeta. Nos últimos 200 anos o pH médio das águas de superfície oceânicas, uma medida de sua acidez, foi reduzido em até 0,1 unidades. Isto significa um aumento de 30% na acidez; isto é, na atividade dos íons de hidrogênio. Os íons de hidrogênio atacam os carbonatos, que são os principais materiais de construção utilizados na construção do esqueleto externo de corais, crustáceos e moluscos, que compõem uma parcela apreciável da biodiversidade marinha. Atualmente, as concentrações do íon carbonato no oceano são as menores em um período de quase um milhão de anos. Essa mudança na química do oceano é irreversível em escalas de tempo de muitos milhares de anos, e suas consequências biológicas podem durar muito mais tempo.

Os impactos da acidificação dos oceanos já estão sendo observados nas diferentes regiões dos mares polares e tropicais. Por exemplo, a taxa de calcificação em corais tem diminuído nas últimas décadas, embora outros vetores, além da acidificação, como o próprio aumento da temperatura e a poluição marinha, possam também ser parte do problema. Acidificação dos oceanos afeta processos ecológicos fundamentais oceano, uma vez que muitos organismos marinhos dependem direta ou indiretamente de águas saturadas com carbonato de cálcio e estão adaptados aos níveis atuais de pH da água do mar, para desenvolver processo metabólicos críticos como a calcificação, o crescimento e a reprodução. Uma vez que as previstas mudanças no pH das águas marinhas serão bem maiores que as variações naturais sazonais ou regionais, ameaçado diretamente a sobrevivência de inúmeros grupos de organismos marinhos.

Acidificação dos oceanos é um problema global. No entanto, características regionais aceleram o processo. Por exemplo, em regiões polares e em áreas de ressurgência (afloramento de águas profundas ricas em nutrientes) acidificam mais rapidamente que outras regiões. As águas tropicais em torno da grande barreira de corais Australiana também testemunham rápido declínio das concentrações do íon carbonato, necessário à construção dos recifes de coral. Projeções recentes baseadas em modelagem, sugerem que antes da revolução industrial, cerca de 98% dos recifes de coral tropicais e subtropicais eram circundados por águas com níveis de carbonato favoráveis ao crescimento coral. Com concentrações de CO2 atmosférico em 450 ppm, limite que em se mantendo as emissões atuais será alcançado antes de 2050, apenas uma fração muito pequena (~ 8%) destes recifes de coral será circundada por essa água. No limite de 550 ppm, que poderá ser atingido antes de 2100, nenhum recife de coral terá sua sobrevivência garantida, incluindo aqueles de águas frias ainda pouco conhecidos e explorados.

Nas regiões polares, projeções de modelagem usando as taxas atuais de emissão de CO2 sugerem que até 2060, 80% dos mares Árticos estará sub-saturada carbonatos, tornando as águas corrosivas para as carapaças d diversos organismos, como pteropodos (moluscos planctônicos diminutos) e vários bivalves, essenciais a teia alimentar marinha. Mesmo no relativamente isolado Oceano Antártico a sub-saturação em carbonatos devera se estender por até 10% da região até 2050. Estas mudanças são muito mais rápidas que qualquer variação natural praticamente impedindo das espécies se adaptar. Muitos organismos costeiros e grupos específicos do fitoplâncton e do zooplâncton podem ser diretamente afetados com implicações para peixes, mamíferos marinhos, vários de grande importância econômica e ecológica. Os impactos da acidificação oceânica sobre os serviços que eles fornecem, como pesca, proteção do litoral por recifes, turismo, e sequestro de carbono e regulação do clima, ainda não podem ser estimados com precisão, porém há um consenso mundial que serão muito graves, particularmente naquelas partes do planeta onde as economias regionais dependem diretamente destes serviços.

A acidificação do oceano é irreversível no tempo de nossas vidas e de muitas gerações futuras. A única forma de minimizar seu impacto a longo prazo é reduzir as emissões de CO2, a partir de agora. Mesmo com a estabilização das concentrações de CO2 na atmosfera em 450 ppm, nível previsto no âmbito dos objetivos da última Conferência do Clima da ONU, no ano passado em Paris, e resultante da aceitação de aumento máximo de 1,5 graus na temperatura global, mais de 10% dos oceanos do mundo experimentará uma diminuição do pH de mais de 0,2 unidades, representando um aumento de 60% de acidez!

É fundamental que os líderes mundiais reconheçam que a acidificação dos oceanos é uma consequência direta e real do aumento das concentrações atmosféricas de CO2, e que o efeito atual será amplificado com os níveis acordados na conferência de Paris; e implementar medidas para reduzir as emissões globais de CO2 em pelo menos 50% dos níveis de 1990 até 2050 e continuar a reduzi-los posteriormente. Além disso, é urgente reforçar medidas para a redução de outros vetores de impactos ambientais sobre os oceanos como a sobre-pesca e a poluição aumentando assim a capacidades dos ecossistemas marinhos de enfrentar a acidificação.

foto_prof. DRUDEProf. Dr. Luiz Drude de Lacerda
LABOMAR/UFC

ldrude@fortalnet.com.br