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Gilberto Sousa Alves
Professor Adjunto de Psiquiatria
Faculdade de Medicina

Suicídio: verdades e mitos

         O termo suicídio deriva do latim sui (próprio) e cidium (matar) e é genericamente compreendido como o ato intencional de matar a si mesmo. O suicídio é um problema de importância crescente na saúde pública, gerando repercussões psicológicas, econômicas e sociais de enorme impacto. A interpretação do suicídio ao longo da história das civilizações tem sido objeto de interesse de diferentes pontos de vista, como o religioso, filosófico e sociológico. Nos primeiros séculos de cristianismo, era interpretada de forma neutra ou mesmo valorizada, embora, algum século mais tarde tenha passado a ser considerado um grave pecado – o suicida não era enterrado com outros cristãos; segundo as tradições do judaísmo, o ato de tirar a própria vida é visto como uma ofensa a Deus e o suicida também é enterrado em uma ala reservada. Foi somente com o movimento iluminista, que o suicídio passou a ser tratado como assunto de saúde. Para se ter uma idéia, somente em 1961 a Inglaterra passou a descriminalizar o suicídio. Ainda hoje, o tema ainda é vista como tabu, inclusive na formação médica, sendo pouco debatido e investigado.

Epidemiologia e impacto econômico do suicídio

         Classicamente, as tentativas de suicídio costumam ser mais frequentes entre mulheres, embora homens tenham cerca de 3 vezes mais o êxito letal, isto é, consigam chegar à morte após um menor número de tentativas – em geral, mais violentas, envolvendo o uso de armas de fogo ou o enforcamento. Dados populacionais de 1998 mostram que 62% dos Homens morrem na primeira tentativa, em oposição à 38% das mulheres.

         Em termos populacionais, observam-se dois picos de aumento nas tentativas de suicídio ao longo da vida. Uma por volta do final da adolescência, entre 18 e 23 anos e a segunda entre a 5a e 6a décadas de vida (ou seja, entre os 40-50 anos de idade). Em cerca de 95% dos casos, o suicídio tem relação com um transtorno mental subjacente, ou seja, uma condição psiquiátrica de base, que atua como um elemento propulsor tanto da ideação como do ato suicida. Estudos mostram inclusive uma maior relação entre suicídio e gravidade do transtorno mental. Estima-se, por exemplo, que nos EUA menos da metade dos indivíduos com depressão faça corretamente o tratamento antidepressivo medicamentoso. Segundo dados de 2002, o suicídio leva a cerca de 870.000 mortes por ano, representando 49% das mortes por causas externas. No Brasil, na faixa etária de 15 a 30 anos, é considerada a segunda maior causa de morte, perdendo apenas para os acidentes automobilísticos.

Suicídio na Sociologia                                                                     

         Entre os estudos clássicos de suicídio está o de Émile Durkheim, cientista político e filósofo francês. Para Durkheim, o suicídio tem relação muito próxima com a constituição das sociedades modernas e com fenômenos como o maior afrouxamento dos laços sociais, as crises econômicas e o individualismo crescente. Curiosamente, algumas das teses de Durkheim tem se confirmado ao longo do tempo. Menores taxas de suicídio são encontradas entre pessoas casadas, com emprego fixo e com alguma religião. Ter laços políticos, esportivos também está relacionado à redução da prevalência de suicídio.

         Do ponto de vista psicológico, diversos aspectos guardam relação com o risco aumentado de suicídio e podem servir como pista para esta condição. Por exemplo, traços de maior impulsividade, agressividade ou sentimentos de desesperança, desamparo ou sofrimento psíquico intenso. Pessoas vivenciando doenças graves, como neoplasias, doença de Alzheimer ou epilepsias podem se tornar mais vulneráveis para o risco de suicídio.

Causas potenciais de suicídio no Brasil

         Segundo dados da literatura médica, as causas mais comuns de suicídio envolvem os transtornos do humor – como a depressão ou o transtorno bipolar, a esquizofrenia e transtornos relacionados, os transtornos da personalidade (emocionalmente instável ou tipo borderline), pacientes em tratamento para condições médicas dolorosas crônicas e pacientes com HIV.

         No exame médico, é importante estar atento ao histórico do paciente. Por exemplo, se há histórico familiar de suicídio ou tentativas de suicídio prévias. É bastante conhecido no meio médico o caso da família Hemingway. Ernest Hemingway, ganhador do premio Nobel de literatura e autor de obras como ‘Por quem os Sinos Dobram’ e ‘O velho e o Mar’, pôs fim à própria vida em 1961, com um tiro de arma de fogo, da mesma forma o pai o fizera décadas antes. Anos mais tarde, uma de suas netas, Margot Hemingway, viria a morrer também por suicídio. Esta sequência de eventos familiares, não raro testemunhada por psiquiatras no dia a dia clínico, aponta para uma provável influencia da genética na ocorrência deste fenômeno.

Genética do suicídio: várias evidência em favor, algumas perguntas ainda sem resposta

         Estudos de hereditariedade mostram, por exemplo, que a concordância para tentativas de suicídios entre gêmeos monozigóticos (isto é, com o mesmo material genético) varia de 12 a 13,4%, em contraposição à prevalência de apenas 2% em gêmeos dizigóticos (isto é, com material genético diferente). Em outro famoso estudo com 62 gêmeos monozigóticos, 6 pares ou aproximadamente 10% deles tentaram suicídio. Cerca de seis genes envolvendo o transporte ou a receptação da serotonina estão envolvidos na maior parte dos casos de suicídio, embora seu papel não seja plenamente conhecido: o TPH, SERT, 5-HT1A, 5-HT1B, 5-HT2A e MAO. Outro estudo de 2003, que seguiu 1037 crianças até os 26 anos, constatou uma maior vulnerabilidade para depressão e suicídio naqueles com gene alelo curto da proteína transportadora de serotonina, sendo os homozigotos para alelos longos os com menor vulnerabilidade aos mesmos eventos, e menor susceptibilidade a eventos estressores.

         Além destas evidências, outros estudos têm apontado uma maior suscetibilidade ao suicídio para pessoas com ativação endócrina (ou hormonal) alterada. Um exemplo é a hiperativação (ou ativação anormal) do chamado mecanismo de luta e fuga, uma reação hormonal em cascata que é ativada sempre em situações de grande estresse e adrenalina. Desde o homem nômade de milhares de anos atrás até hoje, este mecanismo tem importância na liberação da adrenalina corporal e na ativação cardíaca e muscular do organismo, no objetivo de prepará-lo para uma rápida resposta a ameaça do meio. Alguns estudos demonstram um risco até 14 vezes maior para o suicídio em pessoas com maior ativação do eixo hipotálamo hipófise adrenal (HPA), responsável pelo mecanismo de luta e fuga. Obviamente, a interpretação deste dado requer cautela, pois isoladamente não garante e nem exclui o maior risco para o suicídio.

Suicídio e estigma

         Uma das importantes causas de aumento dos casos de suicídio e também de suas repercussões negativas é o fenômeno de estigma. O estigma neste contexto pode ser compreendido como um conjunto de concepções equivocadas a respeito do que é o suicídio, de suas causas potenciais o que pode ser feito para evitá-lo. Para combater o estigma, é muito importante a comunicação clara e aberta dos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais – com a comunidade. Em muitas ocasiões, o temor do profissional ou da própria família de conversar com o paciente sobre pensamentos de morte, planos de tirar a própria vida ou tentativas prévias de suicídio, sob a justificativa de que falar sobre o assunto estimularia o paciente a pensar a respeito de sua própria morte, é um dos equívocos mais comuns no dia a dia do atendimento. Na realidade, tanto a família como o próprio profissional devem estimular o paciente a expressar seus temores e fantasias a respeito do tema, para que ele (paciente) se sinta encorajado a buscar ajuda sempre que necessário. Um exemplo: um sujeito que deseja tomar medicações para ficar inconsciente e livrar-se de toda a angústia e sofrimento, deve ser ouvido de forma compreensiva e acolhedora. Críticas e julgamentos morais, nestas situações, devem ser sempre evitadas. Por outro lado, é absolutamente indispensável que estas informações sejam repassadas aos profissionais que atendem este paciente, para que todas as medidas protetivas – inclusive o uso de medicações, a avaliação quanto à necessidade de internação hospitalar e outras – sejam implementadas.

Implementando estratégias de prevenção do suicídio

         Em alguns países do mundo, maiores taxas de sucesso no enfrentamento do suicídio têm sido obtidas com a adoção de estratégias mais agressivas. Na Inglaterra, a título de exemplo, um dos eixos da prevenção é o tratamento rápido e eficaz da depressão. Também no Reino Unido, dados de 2013 demonstram que o uso do Lítio – uma medicação frequentemente empregada no transtorno afetivo bipolar – tem se correlacionado a menor taxa de suicídios em jovens com distúrbios do humor. O uso da clozapina, uma medicação empregada em transtornos psicóticos, esteve associada a uma redução de até 25% nas tentativas de suicídio em pacientes com esquizofrenia.

         No Brasil, embora haja a cada ano 100-200 mil tentativas de suicídio e 9 mil pessoas mortas por esta condição, as ações governamentais voltadas à prevenção do suicídio ainda são pouco coordenadas e carecem de evidência científica que sustentem os programas implementados.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), medidas individuais e coletivas são necessárias e algumas podem ser didaticamente citadas:

  • Tratamento dos transtornos mentais de base;
  • Controle da posse de armas de fogo
  • Desintoxicação do gás doméstico
  • Controle do acesso a substâncias tóxicas (crack, maconha, álcool, veneno para rato)
  • Reportagens cuidadosas na imprensa sobre o suicídio
  • Disponibilidade para assistência à saúde física e mental
  • Presença de laços afetivos duradouros com a família e organizações sociais
  • Suporte psicológico e social para indivíduos em risco, por exemplo, pessoas que sofreram violência física ou sexual

Conclusões

         O suicídio é um problema de saúde grave, de importância crescente e com grande repercussão social, psicológica e econômica. Em pelo menos 90% dos casos, pode-se identificar um transtorno psiquiátrico de base, o que nos leva a concluir sobre a necessidade de políticas públicas voltadas para a identificação precoce de pessoas com sofrimento emocional. As ações de saúde devem compreender medidas individuais e coletivas, dentre elas a maior oferta de serviços de saúde mental (ambulatórios específicos para pessoas com ideação ou intenção suicida), a avaliação do risco de suicídio, da gravidade do transtorno mental, das condições de suporte psicológico e social pela família e do grau de acesso do paciente a meios letais (armas de fogo, substâncias tóxicas). Também fazem parte destas medidas o combate ao estigma, através da divulgação na mídia sobre os principais transtornos mentais, suas manifestações mais comuns e as formas de tratamento.

Sugestões de leitura

1. Conselho Federal de Medicina. Cartilha Suicídio: Informando para prevenir. Acesso no link http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index9/?numero=14#page/6

2. Botega, N. Suicídio: saindo da sombra em direção a um plano nacional de prevenção. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):7-8 .