PrintFora da literatura? Marco Ribeiro

Hoje Literatura de fora está fora da literatura. Hoje vou tentar oferecer algumas reflexões sobre um mundo que estou descobrindo aos poucos, um universo interessantíssimo para um estrangeiro. Interessantíssimo e fascinante: os artistas plásticos cearenses. Quando observo as obras de Marco Ribeiro, artista da cena fortalezense, me pergunto: estamos mesmo fora da literatura? Mais do que a energia do Ceará, o que está na minha frente é um ritmo ovidiano. Aliás seria ars ovidiana, se Ovídio – ao invés de ter nascido em Sulmona – tivesse nascido no Oriente, onde – falava numa outra época um outro Marco, o viajante veneziano Marco Polo - sunt leones.

A arte de Marco Ribeiro é uma arte de linhas “florais”. Isto não pode deixar de remeter ao que escrevia, cem anos atrás, o maior crítico italiano do século XX, Roberto Longhi: “da trama das linhas funcionais formam-se os ritmos, correspondências de ondulações, que, acentuadas pelo artista, vêm pouco a pouco formar arabescos decorativos puros, cujo antigo valor vital orgânico não é abolido, mas reduzido a uma ondulação quase involuntária, como aquela de um galho envergado pelo vento [...]; e essa nova espécie de linha bem se pode dizer: linha floral.”. Eis então que o linearismo de certa pintura oriental ou de artistas como Simone Martini não é “funcional” para modelar a matéria corpórea dos personagens pintados, não é “funcional” à expressão da sua energia vital, como ocorre na arte de um Pollaiolo, de um Mantegna, de um Botticelli. A linha floral serve, isso sim, para tornar mais leve, para esvaziar, para dissolver. Em uma palavra: para libertar a substância vital, para emancipá-la.

É pacífico que nas alquimias da linha floral a criatividade de Marco Ribeiro encontra o seu processo estruturante. Portanto, além de equivocado, seria reducionista relegar composições tais como DesgarraSão Jorge e a derrota do dragão ou Círculos à esterilidade do abstracionismo do final do século XX. Retome-se Longhi: no linearismo floral, “o antigo valor vital orgânico não é abolido”. Os quadros de Marco Ribeiro, na realidade, não são carentes de organicidade, de materialidade, ou seja, são concretíssimos. E no entanto…

O fato é que a matéria não fica congelada em formas fixas, a substância não acaba mortificada pela clausura da forma estética. Os signos figurativos que animam obras como DevoraDois ou Procissão no Rio Vermelho têm significado, decerto; mas de um significar metamórfico, in fieri, lábil como os círculos desenhados por uma pedra atirada sobre a superfície de um lago. Eis porque um dos melhores quadros de Marco Ribeiro, Eros e Psique, nasce sob o signo de Ovídio. Um Ovidio perdido. Perdido ubi abundant leonesEt dracones. Do mar…

Prof. Yuri Brunello

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