Profa. Dra. Conceição Dornelas, da Faculdade de Medicina – UFC

Breviário: Fale-nos um pouco sobre você: seu background acadêmico, interesses de pesquisa, responsabilidades atuais na UFC.

Profa.Conceicao-h150Conceição Dornelas: Eu nasci em Juiz de Fora, MG. Estudei Medicina na Universidade Federal de Juiz de Fora, complementando com Residência Médica em Anatomia Patológica. De Juiz de Fora fui para a cidade do Rio de Janeiro e lá cursei mais duas residências médicas: Cirurgia geral e Urologia, seguidas do Mestrado em Urologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Esta minha formação foi muito longa: 16 anos de formação contínua. Tanto tempo dentro de Hospitais Universitários gerou o gosto pelo ensino. Sempre estava cercada de acadêmicos e residentes que precisavam alcançar o ano seguinte. Tudo isso regado por reuniões acadêmicas, congressos, cursos e, claro, acabaram por gerar o desejo de seguir a carreira de professor. Mas isso demorou um pouco. Ao final do mestrado fui para o Rio Grande do Sul, aproveitando a oportunidade de abertura para mulheres para o exército, servindo como oficial médico cirurgião militar. Ainda nesta época, ensinei propedêutica médica, como professor substituto, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria. De Santa Maria fui para a Amazônia, município de São Gabriel da Cachoeira. Como médica cirurgiã militar fiquei lotada no Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira. SGC é uma cidade muito afastada. Toda assistência médica especializada é levada pelos militares. O Pico da Neblina é cercado pela riqueza cultural dos povos das florestas, muitas etnias e muitas línguas. Esta foi uma fase de muitas descobertas e reflexões sobre a imensidão e contrastes de nosso país. Da Amazônia voltei para o asfalto. Destino: Fortaleza. Foi então que decidi fazer o doutorado em cirurgia. Terminando o doutorado, surgiu a oportunidade de voltar a Universidade na Condição de Professor e então fiz o concurso para o Departamento de Patologia, e aqui estou.

Com toda certeza as responsabilidades são muitas. Sou professora do Curso de Medicina, contribuindo com algumas aulas para o Curso de Fisioterapia e para Mestrado em Patologia. Temos também um papel junto aos médicos residentes, fazemos plantões semanais, inclusive feriados e finais de semana. Meu interesse está ligado à patologia, oncologia e urologia e naturalmente as pesquisas caminham neste sentido. Penso que a pesquisa deve sempre estar atrelada à resolução de problemas do dia a dia da clinica médica para que possamos otimizar tempo, custo e benefício.

Ser médico é uma profissão muito gratificante do ponto de vista humano. É um trabalho que não tem fim. Tem sempre alguém doente, considerando a doença como bem estar físico e mental, e haverá sempre alguém precisando de assistência médica. Ser professor é o outro lado da moeda. Penso que o papel do professor é estimular o aluno, fazer com que alcance o conhecimento, mas sobretudo fazer com que desenvolva habilidades necessárias para seu bom desempenho como médico. Os valores de uma sociedade de consumo em contraste com uma população desprovida de recursos básicos para sua sobrevivência sempre nos faz pensar sobre a responsabilidades de trabalhar aspectos no que se refere à condição humana. E isso não é nada fácil quando se ensina morfologia. Sorte é que neste momento ensinamos fisiopatologia. Isso já é um grande começo.

B: Quais os desafios em sua atuação docente na UFC?

CD: Os desafios são muitos, mas o maior deles é a falta de emergência no Hospital das Clínicas. Sem ele fica inviabilizado o crescimento da Faculdade de Medicina. As demandas locais já deveriam servir de estímulo para as autoridades investirem imediatamente na Emergência. Isso aliviaria a sobrecarga dos dois maiores Hospitais públicos de Fortaleza e possibilitaria uma formação de qualidade para os nossos alunos, sem falar no imenso benefício que traria para comunidade em torno do Campus.

Temos necessidades de mais enfermarias, de leitos e de mais salas de aula, de investimento em tecnologia de ponta para o Hospital Universitário e para os laboratórios de pesquisa. Precisamos de atenção e investimentos do poder público e da iniciativa privada – do poder público do Estado, quando este é beneficiário direto do Hospital Universitário, uma vez que o Hospital é fonte de assistência à saúde pública de alta complexidade para pessoas que vem de outras cidades e da iniciativa privada, quando Hospital é formador de recursos humanos da graduação a pós graduação de alto nível. Sendo a Universidade Federal do Ceará instituição consagrada pela sua tradição e respeito, era de se esperar um maior apoio das autoridades públicas e privadas neste sentido. Este é um grande desafio sensibilizar as autoridades para a importância da instituição no contexto da cidade e do Estado.

B: O que mais lhe alegra em seu papel como professor?

CD: A alegria de ser professor é imensa. Trabalho com uma amostra seleta de alunos muito dedicados. Portanto, a expectativa que estes alunos tem em relação ao aprendizado é muito grande. Isso exige muito do professor. Devido à minha formação privilegiada, enfrentando diversas realidades e com um conteúdo prático abrangente das principais especialidades médicas, torna-se mais prazeroso o dia a dia de ser professor. Como professora, tenho muitas expectativas: há muito o que aprender ensinando  medicina e isso é que torna a vida  mais saborosa, mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos.

B: Qual sua opinião sobre a CASa? Qual a importância da formação docente para o professor recém chegado à UFC?

CD: O projeto CASa foi uma grata surpresa. Eu já comentei outras vezes sobre o privilégio de estar participando do projeto como parte de minha formação em uma hora muito especial – esta de entrar para a Universidade com toda a sua complexidade e no papel de professor. É surpreendente quando nos reunimos e como podemos fazer coisas que dantes não poderíamos sequer imaginar. É impressionante como o projeto está crescendo com as diversas e infinitas possibilidades de participação. Mas o que considero mais importante é a possibilidade de integração e discussão ampla entre professores de diversas áreas. Dá para perceber algumas resistências de natureza fragmentadora em alguns colegas, mas isso é natural, considerando a ideologia na qual fomos formados. Precisamos exorcizar este fantasma do nosso presente.

B: Para além da vida no campus, quais são seus outros interesses, hobbies etc?

CD: Para além do Campus e não saindo dele, eu estou terminando a Faculdade de Direito. Era um antigo sonho olhar de perto este mundo kafcaniano. Foi assim que descobri o Direito Ambiental. As questões ambientais sempre me chamaram a atenção, mas como romper este ciclo de degradação inexorável?

Descansando, gosto de filosofia e música clássica em especial de Franz Liszt.

Eu estou lendo e recomendo: Ecological Developmental Biology Integrating Epigenetics Medicine and Evolution, de Scott F Gilbert e David Epel.

 

Entrevista realizada na data 31/05/2012 para coluna Spotlight do Breviário da CASa.