A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO

(Henri J. M. Nouwen Paulinas, 13ª. Edição, 2004)

            Sou professora da Faculdade de Medicina da UFC desde 1989 e, dentre todos os livros que já li, A Volta do Filho Pródigo de Henri Nouwen foi o que mais me tocou profundamente. Ele influenciou toda a minha vida, incluindo a profissional. Quando o li a primeira vez em 2004, estava no auge da minha vida acadêmica, dando aulas na faculdade e em eventos locais e nacionais da minha área, produzindo cientificamente, fazendo assistência a pacientes do hospital universitário, assumindo cargos de chefia, viajando para congressos e cursos, sem muito tempo para parar e refletir sobre a vida, sobre para onde estava caminhando. À medida que as demandas externas iam surgindo na minha vida profissional, eu ia tentando atendê-las, desdobrando-me para fazer tudo com perfeição, incentivada pelo compromisso e responsabilidade que me é peculiar, mas também pela vaidade no vislumbre dos resultados. Apesar da euforia e empolgação com uma vida profissional de sucesso, sentia-me, muitas vezes, cansada, angustiada, inquieta, querendo colo, abraço, encontrar significados, paz… A leitura do livro pusera-me em contato com algo dentro de mim que subsiste bem distante dos altos e baixos de uma vida atarefada, algo que representa a constante busca do espírito humano, o anseio por segurança e paz interior, uma volta definitiva para dentro de si mesmo e para o encontro com o Pai.

Capa do Livro

Capa do Livro

          Henri Nouwen (1932-1996) foi um padre holandês, católico, teólogo, autor de mais de 40 livros. Um encontro casual com uma reprodução da pintura de Rembrandt chamada A volta do Filho Pródigo, projetou Henri Nouwen numa longa experiência espiritual. Na época, ele era um professor de várias escolas de Harvard, Yale e Notre Dame e viajava muito fazendo palestras nos Estados Unidos. Um dia, sentado na sala de trabalho de uma amiga após uma longa e exaustiva jornada de trabalho, seu olhar foi capturado pela cena de um pôster preso à porta que retratava um homem idoso e bem vestido abraçando um jovem maltrapilho, ajoelhado diante dele. Seus olhos não conseguiam se desviar do quadro e, principalmente, das mãos cheias de compaixão, perdão e amor do homem mais velho.  Tudo o que ele parecia precisar estava contido naquele carinhoso abraço de pai e filho. Mas aquele abraço do pôster capturou também sua alma e ficou impresso de uma forma mais profunda do que qualquer manifestação passageira de apoio emocional, incitando a autor a uma jornada espiritual de encontro ao Pai.

Pintura de Rembrandt

Pintura de Rembrandt

     Três anos depois de ter conhecido a pintura de Rembrandt, Henri Nouwen foi até o museu Hermitage em São Petersburgo, Rússia, onde estava a obra original, uma tela pintada em óleo medindo 2,5m de altura por 1,8m de largura. A pintura apresenta no plano principal um homem idoso envolto num amplo manto vermelho tocando afetuosamente o ombro de um jovem mal vestido. Circundando essa cena principal, aparecem quatro observadores: duas mulheres no plano de trás, um homem sentado e aparentando meia idade também no plano posterior e outro homem jovem do lado direito da cena, de pé, bem vestido, observado o abraço do pai e filho, que parece ser o filho mais velho da parábola bíblica. Durante dois dias ele ficou por horas diante da tela, observando as figuras e refletindo sobre sua vida e os diferentes papéis que ele havia assumido durante sua caminhada: ora como o filho mais novo que volta para casa, ora como o filho mais velho, ora como os outros três observadores da cena, ora como o pai que acolhe e ama incondicionalmente.

      A primeira fase da jornada espiritual de Nouwen após o encontro com a pintura de Rembrandt foi a experiência de ser o filho mais moço. Durante vários anos como professor universitário, viajando por inúmeros lugares longínquos, envolvidos em várias causas, encontrando gente com os mais diferentes estilos de vida e diferentes credos, sentiu-se cansado, perdido e sem um lar. Quando vislumbrou a maneira amorosa e serena como o pai tocava os ombros do filho mais jovem e o amparava contra seu peito, sentiu a necessidade de voltar ao lar, de ser abraçado daquela forma. Por muito tempo ele se colocou na posição do Filho Pródigo que voltava à casa, antegozando o momento de ser recebido pelo Pai.

      A segunda fase da jornada espiritual de Nouwen começa quando, em conversa com um amigo, esse o adverte que, talvez, Nouwen se pareça mais com o filho mais velho e não com o filho mais novo. Ele começa a refletir sobre seu papel como o filho mais velho da parábola, que sempre esteve com o pai, fazendo tudo que era esperado dele, mas que sente ciúmes e até revolta quando vê o pai recebendo o filho mais novo de volta à casa com festa e, principalmente, tanto amor e perdão. Nouwen foi o filho mais velho de sua família e sempre foi disciplinado, responsável, fiel aos princípios familiares e religiosos, obediente aos pais, professores, bispos e a Deus. Nunca havia desperdiçado seu tempo com prazeres, bebidas, drogas, sexo. Mas, de repente, Nouwen percebeu que também agira como o filho mais velho, pois, muitas vezes sentiu-se com ciúmes de seus irmãos e irmãs mais jovens que tiveram mais liberdade e coragem de se aventurarem e eram recebidos de volta com todo carinho. Sentiu inveja, raiva e ressentimento por estar sempre em casa e fazendo tudo de forma correta, enquanto os outros irmãos “aproveitavam a vida”.

     Henri Nouwen percebe que, durante muito tempo, também assumiu o papel de observador, como os da cena de Rembrandt. As duas mulheres com olhares curiosos, o homem de meia idade indiferente e o jovem em posição crítica e olhar de inveja, são todas expressões de não envolvimento direto com a cena principal. Durante o tempo em que Nouwen foi professor de várias universidades, mesmo transmitindo aos alunos conhecimentos teológicos e indicando-lhes os diversos caminhos espirituais para se chegar a Deus, não conseguia sair de uma posição cômoda de observador e crítico. Sabia proferir eloqüentes palestras, escrever livros, argumentar e analisar situações, aconselhar, mas não conseguia sair das margens da cena e se envolver completamente com o Pai.

   Depois de algum tempo que Nouwen visitou o Hermitage tomou uma decisão: deixar toda vida acadêmica e ir morar e trabalhar numa comunidade de doentes mentais do Canadá como guia espiritual. Optar por essa mudança radical, deixando para trás sua vida brilhante como professor universitário e ir morar com pessoas marginalizadas, desprezadas, rejeitadas pela sociedade foi um passo importantíssimo em direção ao pai que abraça o filho. Durante muito tempo, Nouwen procurou proteção e segurança entre os eruditos e talentosos, mal compreendendo que as coisas do Reino eram reveladas aos “pequeninos”. Não foram anos fáceis. Nouwen enfrentou depressão, mas, finalmente, viu-se no papel de pai que acolhia os doentes mentais sem lhes fazer perguntas e sem esperar nada em troca, com compaixão e amor.

O livro A volta do Filho Pródigo de Henri Nouwen é uma viagem espiritual dentro de nós mesmos, onde também nos descobrimos exercendo os diferentes papéis vividos pelo autor e nos faz refletir sobre a vida e para onde queremos ir. “A volta do filho pródigo é um livro de muita beleza, tanto na limpidez de sua sabedoria quanto na beleza assustadora da transformação que somos chamados a realizar” (New Oxford Review).

 


MartaMedeiros-150Profa. Dra. Marta Maria das Chagas Medeiros

Curso de Medicina – FAMED/UFC
mmcmedeiros@hotmail.com