Prof. Pedro Henriques, professor do ICA

Breviário: Professor Pedro, poderia nos falar um pouco sobre o início de sua trajetória acadêmica? Sua primeira graduação foi em Direito?

Prof.Pedro-h150Pedro Henriques: Puxa, esta é uma história longa… Para mim, é difícil falar de minha trajetória acadêmica sem a vincular diretamente às minhas percepções de vida, a cada momento. Minha vida acadêmica foi construída na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Nesta instituição, iniciei em 1990, o curso de Direito, e nele me formei, em 1995. Ainda em meu período de formação em Direito, mesmo gostando do curso, tinha a clara compreensão de que não era este o caminho que eu deveria traçar. À época, trabalhava como escriturário no antigo Banco Econômico, cursava Direito na UFBa e ainda cursava uma extensão universitária em comunicação social (habilitação para rádio e TV).

Foi justamente neste curso de radialismo, no qual fiz grandes amigos, que percebi que deveria dar ouvidos à minha vocação teatral. Trabalhar com o radio era (e ainda é) um grande prazer, mas várias vezes eu me percebia indo além da locução, fazendo vozes para personagens e sempre movimentando o corpo nos estúdios. Eu era o único que sempre se levantava da cadeira e não conseguia ficar quieto! Alguns dos professores e colegas deste curso também trabalhavam com teatro e me sinalizaram esta possibilidade. Na verdade, a vontade de ser ator sempre me acompanhou desde a infância. Atividades teatrais na escola e na igreja eram constantes. Mas, como deixar o curso de Direito para buscar algo nesta direção? Como pensar na própria subsistência conjugada com este sonho?

Neste mesmo período, já perto de me formar, fiz seleção para uma multinacional da área de Auditoria e Consultoria e entrei como trainee da empresa. Nela, atuava diretamente com direito tributário e contabilidade empresarial. No começo, houve todo um deslumbramento com os cursos e trabalhos em outras capitais do país, as constantes viagens, aquela rotina workaholic intensa com uma vidinha de yuppie tupiniquim; mas, no fundo, algo me incomodava. Numa certa madrugada, tive uma percepção muito forte que estava desperdiçando a minha vida, que estava plantando num terreno que não era meu, que minhas horas eram dedicadas a algo que não me “alimentava”. Foi duro perceber isto, mas, paradoxalmente, foi maravilhoso. Sabia que precisava buscar algo novo, que precisava me apaixonar. Mesmo não sabendo exatamente como, eu sabia que a vida iria mudar.

B: Foi neste momento que se deu a mudança para o Teatro?

PH: Esta mudança veio através do Curso Livre de Teatro da UFBa. Eu já namorava à distância o curso e sabia que ele era o maior celeiro de formação de atores da Bahia. A intensidade do curso era um referencial no estado e, no ano de 1996, para minha grande surpresa e felicidade, prestei seleção e fui aprovado no curso. A empresa na qual eu trabalhava possuía em suas normas internas restrições a que os funcionários desempenhassem atividades artísticas. Além do que, não era possível conciliar as viagens com as noites dedicadas à formação teatral. Consegui segurar a situação por um mês e pouco, evitando as viagens, mas chegou um momento em que tive que optar e me demiti da empresa.

A rotina do Curso Livre era muito puxada: noites e finais de semana dedicados ao teatro. Aprendi muito, me dediquei intensamente e, antes mesmo de concluir o curso, já me inscrevia no vestibular para minha segunda graduação: o bacharelado em artes cênicas. Minha segunda graduação se inicia em 1997 e é concluída em 2001. Sou diretor teatral formado pela UFBa. Devo à Escola de Teatro da UFBa (e ao teatro baiano) toda minha formação.

B: E como iniciou suas atividades na docência?

PH: Em 2001, iniciei minhas atividades na docência, sendo convidado a integrar a equipe de professores do Curso Livre de Teatro. Inicialmente, ministrava aulas de análise de texto e fundamentos do teatro, mas, a partir de 2004, passei a responder pelas aulas de Interpretação e Improvisação do curso. Foram dez anos (2001 a 2010) de uma bela história onde “aprendi a ser professor de teatro”. Também preciso dizer que fui docente nas graduações da Escola de Teatro da UFBa. Cumpri integralmente dois contratos como professor substituto, de 2003 a 2005 e de 2007 a 2009. Nestes quinze anos (1996-2010), atuei intensamente como ator e diretor no circuito teatral baiano.

Foi neste contexto de profunda prática teatral que, incentivado por minha esposa, resolvi prestar seleção para o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC/ UFBA). Minha pesquisa, voltada para a formação do ator, se concluiu em 2009. Ao final deste mesmo ano, prestei seleção e ingressei no doutorado da mesma instituição. No doutorado, dediquei-me às relações entre a ética e a prática teatral, tendo concluído o mesmo no final de 2013.

Na realidade, os anos do doutorado marcaram minha transição do teatro baiano para o teatro cearense. Em 2011, tomei posse na UFC, onde atuo no curso de Teatro do Instituto de Cultura e Arte; ou seja, em 2010, cursei as disciplinas de base, me dividindo entre Salvador e Fortaleza e a partir de 2011, passei a lecionar, exclusivamente, no Ceará. Bem, é isto; vejam que eu não menti quando disse que era uma história longa.

B: E como surgiu o interesse pela docência?

PH: Surgiu no próprio Curso Livre e se confirmou na minha graduação. Tive profunda admiração pelo trabalho desempenhado por meus professores de Curso Livre; sobretudo, do prof. Paulo Cunha, meu primeiro diretor. Sua dedicação e esmero sempre foram uma referência. Além do que, o teatro é uma atividade pedagógica por sua própria natureza. Suas próprias especificidades o tornam um meio propício para a reflexão e consequente aprendizagem.

B: O que mais lhe dá prazer em seu papel como professor?

PH: Antes de tudo, a possibilidade de me propiciar uma plena dedicação à arte que tanto amo. A atividade teatral é revigorante. Partilhar conhecimentos e estar em profunda relação com jovens sedentos por experiências com o teatro, é profundamente gratificante. Claro que há dificuldades e problemas, como em qualquer outra área, mas o prazer de entrar em uma sala de ensaio é revivido quase todos os dias.

B: Na sua avaliação, quais os maiores desafios da atividade docente?

PH: Olha, essa é uma daquelas perguntas que nos acompanham em uma vida inteira… Quando a gente descobre uma parte da resposta, logo percebe outra e outra… Hoje, percebo que o maior desafio é o de realmente comprometer-se com o desenvolvimento de uma consciência autônoma, ética e criativa do aluno. A formação real de um aluno vai muito além das exigências específicas de uma disciplina. A adequação dos processos formativos em teatro às estruturas formais de uma “disciplina acadêmica” é dolorosa, um exercício constante de minimizar prejuízos.

Ao se aprofundar no estudo do teatro, o indivíduo acabará por estudar a si mesmo e os seus processos de construção de sentidos. Este estudo delicado exige franqueza daquele que a ele se dedica. Não há como ter fórmulas ou pressa. O teatro é uma arte que para existir necessita de desejo e compromisso de quem o pratica. E isto, muitas vezes, não é simples de ser percebido por quem não deseja entrar nesta “sintonia”.

Num mundo ansioso e apressado, pseudo-objetivo, os processos de amadurecimento estão cada vez mais causando repulsa aos indivíduos. A dificuldade em compreender o amadurecimento como uma necessidade humana não é um privilégio da contemporaneidade, mas grita com força ainda maior nestes nossos tempos. Este desafio pode, por vezes, levar o docente a um estado de cansaço ou de incomunicabilidade com seus alunos. Mas, se ele reavivar seu pacto interior com o desenvolvimento de potencialidades artísticas e buscar intensificar as relações com seus alunos, certamente, tais barreiras serão superadas.

B: Que responsabilidades o senhor tem atualmente na universidade?

PH: Algumas… A primeira é, sem sombra de dúvida, a de conseguir manter minha sanidade mental! (risos) Enfim, falar dos desafios diários é “chover no molhado”. Olha só, a minha primeira responsabilidade é com a formação dos meus alunos, com a construção de um sentimento de pertencimento ao curso de Teatro da UFC e com a arte teatral. Neste sentido, se encaixa toda a minha ação no curso: reuniões de colegiado, atuação no Núcleo Docente Estruturante, aulas em disciplinas e suas consequentes mostras cênicas. Outra grande responsabilidade é a coordenação pedagógica do CENOTEC, o laboratório de atividades práticas responsável pela execução do ATO ANTES, um projeto que nasceu instigado pela necessidade de experimentação cênica para os alunos e que trabalha a formação de plateia na sede Carapinima do Instituto de Cultura e Arte. O objetivo do projeto é justamente possibilitar ao aluno a experiência da prática teatral. Como diz o próprio nome, o ATO ANTES traz a ideia de um projeto destinado ao corpo discente do curso, feito por estes, os seus verdadeiros atuantes. A grafia trabalha a ideia de que este ATO (acontecimento cênico) ocorre ANTES do esperado: antes da formatura destes alunos e antes de se ter as condições ideais para a prática cênica; porque a vontade de atuar vem antes de qualquer coisa. Já a minha mais recente responsabilidade é minha participação na CASa – Comunidade de Cooperação e Aprendizagem Significativa.

B: Desde quando atua na CASa?

PH: Fui convidado, em janeiro de 2014, a auxiliar a professora Tatiana Zylberberg na diretoria da Divisão de Formação Docente da COFAC/PROGRAD. O caráter de reflexão contínua da CASa e sua proposta colaborativa envolvendo docentes novatos e veteranos me cativa desde minha entrada como professor da UFC. Travando contato com os princípios que fundamentam a atuação da CASa: a heterogeneidade, o trabalho coletivo, a interação, a solidariedade, a equidade e a busca por transformação, não há como não associá-los à própria essência do Teatro. Logo, de certo modo, creio que vim para onde já estava. E sou grato por isto.

B: Na sua avaliação, qual a importância da formação docente, promovida pela CASa, por exemplo, para o professor recém-chegado na universidade?

PH: Total. Além de todos os benefícios trazidos pelas ações específicas, a CASa permite, inclusive, que o professor conheça, de fato, a própria UFC. Que conheça profissionais de outros cursos que trazem consigo experiências diversas, vividas no seio da universidade. Isto é algo que só pode acontecer se nos abrirmos para a experiência do “encontro”, da “troca”. É importante se ver como membro desta casa e conhecer os seus integrantes. É necessária a compreensão de que, mesmo com todas as nossas histórias anteriores, nos afirmamos como docentes a cada dia, a cada aula. Nenhum título assegura a docência, só uma real disponibilidade para o serviço.

B: Como está sendo sua experiência como apresentador do Casa Aberta? Em que agrega a sua vivência como professor e no seu relacionamento com os colegas de UFC?

PH: Está sendo maravilhoso este reencontro com os microfones depois de tanto tempo. Quando experimentei o rádio, eu era um garoto. Recordo-me de todo o transbordamento daquele momento e posso, em meu interior, revisitar aquela energia e felicidade. Tento trazer para o programa um tom agradável e de profunda interação entre os convidados. Poder conviver com colegas das mais diversas áreas, ainda que brevemente, é um privilégio.

B: Para além da sala de aula, quais são seus outros interesses, hobbies etc?

PH: Sala de aula para mim, na maioria das vezes, é sinônimo de sala de ensaio. E os ensaios sempre começam muito antes do horário marcado. Quando estamos envolvidos em um processo teatral tudo à nossa volta nos serve de estímulo. Eu tenho um hábito que vem do trabalho de construção de personagens que é o da observação do mundo exterior (detalhes relacionais entre as pessoas e destas consigo mesmas). As principais características do meu trabalho estão calcadas num tripé que se firma na observação, na imaginação e na experimentação. Ou seja, a fronteira entre o trabalho e o lazer não está bem definida. Ainda bem. Por exemplo, tenho também paixão pela literatura e, muitas vezes, esta me alimenta no trabalho cênico.

Para além do trabalho, sou uma pessoa muito família. Minha esposa, a professora Carolina Vieira, também é minha colega de curso na UFC e isto nos faz ficar atentos para que as agruras do trabalho fiquem restritas aos muros da UFC. Este é um aprendizado difícil, mas que foi facilitado com a chegada de Helena (minha pequena de um ano e dez meses). Não há nada melhor do que estar com elas.

 

Entrevista realizada na data 05/05/2014 para coluna Spotlight do Breviário da CASa.