Fundamentos do Direito e Didática do Ensino

prof_hugo-segundo_curso-direito-h150Hugo de Brito Machado Segundo

Os encontros CASa têm sido, para mim, extremamente proveitosos. É uma iniciativa que merece todos os aplausos por parte da comunidade docente e discente, fornecendo ao professor um ambiente para tratar de questões ligadas à sua condição com pessoas dotadas de conhecimento e experiência na área, além de permitir a troca de ideias com colegas com outras formações, voltados a outros setores do conhecimento humano, tudo em torno da atividade docente.

Algo extremamente saudável, principalmente se se pensar que, com algumas exceções, os cursos de ensino superior geralmente não se preocupam em formar professores. Na Faculdade de Direito, por exemplo, embora existam projetos de monitoria e disciplinas de docência e de pesquisa, formam-se basicamente advogados, juízes, promotores etc., os quais sabem defender, acusar, julgar, mas não necessariamente ensinar. As atividades da CASa são, nesse contexto, uma ferramenta para que se desenvolvam, aprimorem e corrijam as habilidades do docente, seja ele recém-egresso ou não.

A demonstrar a riqueza de tais discussões, notadamente no que tange à sua transdisciplinaridade, a ideia de escrever este texto, por exemplo, surgiu em um dos encontros, em razão do que foi explicado e debatido com a Professora Bernadete Porto na manhã do dia 17/12/2013. Seu título, a propósito, reúne expressões que parecem ter, em um primeiro olhar, pouca pertinência uma com a outra. Seria porque se pretende examinar, aqui, a didática usada por professores de Filosofia do Direito, quando tratam das razões da obrigatoriedade das leis? Os exemplos que usam, em sala de aula, para ilustrar para os discentes o que seria o uso da força para impor o cumprimento de uma ordem? Ou ter-se-ia, nestas linhas, o propósito de explorar os fundamentos legais da atividade do professor, comentando leis que tratam do Direito à Educação e artigos de Regimentos Universitários? Nada disso. A relação que se pretende estabelecer aqui é bem mais simples e basilar, de antropologia filosófica, e consiste em um paralelo entre o que faz um ser humano cumprir as leis de um país, de um lado, e um aluno aderir às propostas e cumprir as tarefas prescritas por seu professor, de outro.

É objeto de alguma atenção, discussão e pesquisa, por parte dos que se ocupam da Filosofia do Direito, o tema relacionado à razão última de sua obrigatoriedade. Por que, essencialmente e na maioria das vezes, cumprimos as leis? Por que pagamos tributos? Por que paramos o carro diante de um sinal vermelho? Por que usamos o cinto de segurança?

Há os que defendem, na busca por uma resposta a essa pergunta, que cumprimos as leis porque, se não o fizermos, seremos punidos. O Estado nos cominará castigos, multas, prisão. O Fundamento do Direito seria a força, que, se desaparecesse, levaria à implantação do completo caos social. Essa visão, porém, tem perdido adeptos no campo da Filosofia do Direito contemporânea, considerando-se que ela desumaniza o ser humano, que passa a ser visto, nas palavras de Arnaldo Vasconcelos, como o jumento do verdureiro, “que para andar, ou parar, ou retroceder no caminho tem de ver o movimento do chicote ou ouvir o silvar dele em sua proximidade.”[1]

Parece mais razoável, hoje, defender-se que, embora várias sejam as causas (inclusive a força) que circunstancialmente levam esta ou aquela pessoa a cumprir determinada disposição legal, o Direito deve ter as suas disposições cumpridas, na maior parte das vezes, porque as pessoas a tanto obrigadas consideram devido e necessário o respeito a essas prescrições. A vinculação há de ser espontânea, e parece ser assim que acontece, na maioria das vezes. Pense você, leitor: por que cumpre seus deveres? Só por medo de um castigo? Sempre? Parece razoável supor que não. É claro que, em alguns casos, a imposição de punições pode ser inevitável, mas elas não devem ser a regra, e muito menos o fundamento último pelo qual qualquer um de nós cumpre a generalidade das leis de nosso país. Afinal, como observa Pontes de Miranda, “toda pressão que dura é indício certo de revolução que se retarda.”[2]

Talvez ao leitor já esteja mais clara a relação entre esse assunto, ligado aos fundamentos do Direito, e a atividade de ensino. Já deve ter o leitor intuído, a esta altura, o motivo pelo qual o professor, se deseja ver cumpridas as tarefas que passa ao discente, por exemplo, não deve achar que a principal ferramenta para consegui-lo é a força, a coação ou o medo. Em um ou outro discente até pode ser necessário impor uma consequência indesejada, a exemplo de uma nota mais baixa ou da não atribuição de um ponto adicional, até como forma de não gerar um sentimento de discriminação ou de desestímulo entre os que cumprem satisfatoriamente as recomendações do professor. Mas essa não pode ser a regra. Da mesma forma como um conjunto de leis, em um país, mantem-se com mais eficácia e por mais tempo quando tem legitimidade, sendo aceito como positivo pelos que por ele são regidos, as prescrições de um professor em sala de aula devem ser vistas pelos discentes como algo positivo e necessário ao aprendizado, que também deve ser desejado. Tanto os fins (o aprendizado) como os meios (os instrumentos a tanto utilizados) devem ter sua aceitação partilhada. Com isso, até eventuais punições são mais facilmente aceitáveis, e reconhecidas como justas.

 


[1] VASCONCELOS, Arnaldo. Direito e força: uma visão pluridimensional da coação jurídica. São Paulo: Dialética, 2001, p. 93.

[2] MIRANDA, F.C. Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito. Campinas: Bookseller, 2000. v. 3, p. 116.