SACOLINHAS DE SUPERMERCADOS: ARGUMENTOS PARA NÃO USÁ-LAS

Há cerca de dois meses, ao assistir uma palestra da CASa ministrada pelo Prof. Marco Aurélio sobre a barragem do Rio Maranguapinho, em meio às discussões que tivemos sobre poluição após a palestra, lembrei-me de que sempre tive vontade de expressar minha opinião com relação à proibição (ou restrição) do uso de sacolinhas de plástico em supermercados. Escrevo então este texto com o intuito de fornecer argumentos para aqueles que querem deixar de usá-las e se sentem, às vezes, compelidos a justificar sua opção.

Vez por outra esse tema volta aos debates em jornais e, consequentemente (e de maneira ainda mais intensa), em redes sociais. Uma importância ainda maior foi dada a esse tema quando, em 2011, o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, sancionou a lei 15.374, que proibia a distribuição gratuita de sacolas plásticas em supermercados do município [1]. Começou aí uma batalha política e judicial, com discussões sobre a inconstitucionalidade da lei, tentativas de derrubá-la na Assembleia Legislativa etc. Situação parecida tem ocorrido em Belo Horizonte, onde as sacolinhas também seguem proibidas desde 2011 [2].

O problema da poluição devido a sacos plásticos parece estar presente não só no Brasil, mas também em outros países em desenvolvimento. Porém, naqueles considerados nossos semelhantes, os BRICS (Russia, Índia, China e África do Sul), medidas contra as sacolas plásticas já têm sido tomadas há bem mais tempo: na África do Sul, onde havia tantos sacos plásticos na paisagem que eles passaram a ser alcunhados de “flor nacional”, sua proibição está em vigor desde 2003 [3]; Na Índia, leis que proibiam o uso das sacolas plásticas foram sancionadas em 1999 e reformuladas em 2006, mas hoje em dia, aparentemente, foram esquecidas – algo parecido com o que chamamos no Brasil de “lei que não pega” [4]. Na China, país tido como um grande poluidor, elas foram abolidas desde 2008 [5].

Tanto nos debates em redes sociais, quanto nos comentários em sites de jornais, tenho visto todo tipo de argumento favorável ao uso destas sacolinhas, mas ainda não deparei com um que me convencesse definitivamente a apoiar seu uso indiscriminado, como fazemos hoje em quase todo o Brasil. Deixe-me primeiramente expressar minha opinião sobre o argumento que parece ser o mais comum: o de que as sacolas plásticas servem para acondicionar lixo – isso, de fato, é verdade. Acontece que, por vários motivos, essa não é a forma mais correta de se lidar com o lixo: essas sacolas são muito finas e, ao serem colocadas com lixo nas ruas, atraem animais que podem rasgá-las e, assim, espalhar o lixo no chão. O certo seria colocar todo o lixo em um saco maior, mais resistente e que pudesse ser reciclado (o que pouquíssimos sacos de supermercado são). Surge daí, como consequência, um novo argumento: acabar com as sacolas de supermercado significaria trocar um problema por outro, pois, nesse caso, teríamos ainda que usar sacos plásticos para acondicionar lixo. Porém, a questão não é simplesmente de trocar um problema por outro: é questão de trocar um problema grande por outro bem menor.

Com certeza, produzimos muito mais sacos de supermercado do que lixo para colocar dentro deles. Basta lembrar que, ao comprar duas ou três long necks de cerveja, o supermercado nos fornece muitas vezes duas sacolas plásticas, uma dentro da outra, já que uma só poderia rasgar. Aí está: duas sacolas que deveriam acondicionar seis litros de lixo, estão agora acondicionando o lixo produzido por duas ou três long necks, que devem ter em torno de apenas um litro (aproximadamente o volume de duas ou três garrafas). O mesmo raciocínio pode ser aplicado para feijão, arroz e macarrão – tomam um volume enorme do seu saco de supermercado, enquanto o lixo produzido por eles é ínfimo, reduzindo-se apenas às suas embalagens. Idem para coentro, cebolinha, manjericão etc., os quais costumam ser colocados cada um em um saco plástico diferente, só por uma questão de conveniência na hora de passar no caixa.

Façamos então uma estimativa, bem superficial, de quantos sacos de supermercado estamos produzindo além do necessário para acondicionar nosso lixo. Vamos usar como exemplo uma lista de compras de comida para uma semana: um pacote de pães de forma, 200 g de queijo, sete bananas, 2 l de leite, 1 kg de carne, 1 kg de arroz, duas cebolas e uma cabeça de alho. Vamos supor, de forma razoável, que sejam utilizados um saco para pães e queijo, um para as bananas, um saco só para a carne, outro para o arroz e outro para o leite. Digamos que a cebola e o alho sigam no saco do arroz, mas cada um em seu próprio saco transparente. Ao todo, foram utilizados sete sacos. Agora pense em todo o lixo produzido por você após essas compras: sete cascas de banana, duas bandejas de isopor (queijo e carne), cascas de alho e cebola, duas embalagens plásticas (arroz e pães) e duas caixas longa-vida (leite). Certamente, todo esse lixo caberia em apenas uma sacola! Tudo bem se você não quiser amassar as caixas de leite – teremos então duas sacolas plásticas de lixo (bem vazias, até…). No final das contas, nas suas compras de uma semana, você terá desperdiçado no mínimo cinco sacos plásticos. Em um mês, terá desperdiçado vinte sacos só com as suas compras de comida, sem contar o que será desperdiçado com todos os outros itens de supermercado. Multiplique isso pelo número de pessoas do seu prédio, ou da sua rua… São essas as várias sacolas que estão por aí, soltas na rua, sem lixo dentro, entupindo os bueiros da cidade, ou presas nos galhos das árvores.

Outros argumentos a favor das sacolinhas são até mais facilmente questionáveis. Há aquele que diz que, ao aboli-las, teremos que planejar quando ir ao supermercado, para levar conosco nossas próprias sacolas, ou então andar sempre com uma sacola no carro, para o caso de termos que fazer compras de última hora. Há também aquele que diz que se usarmos um só saco maior e mais resistente, não poderemos colocar o lixo para fora de casa todo dia, como muitos fazem hoje, e aí o lixo ficaria acumulando mau cheiro em casa. Em resumo, teremos que mudar muito nossos hábitos. Bom, com relação a isso, realmente não acho que temos escolha: teremos mesmo que mudar nosso hábitos. Mas isso é tão ruim assim?

Me causa uma certa indignação quando escuto pessoas falando sobre o quão lindas, organizadas e limpas são as cidades europeias e, depois, vejo essas mesmas pessoas parecerem ignorar que tal nível de limpeza e organização é fruto desse suposto “sacrifício” de mudar hábitos. De fato, praticamente não há sacos de supermercado por lá – nem sendo usados para carregar compras, nem para acomodar lixo, muito menos rolando pelo chão. E sim, as pessoas lá planejam antes de fazer compras e carregam seus próprios sacos. É mesmo inconveniente, mas é o preço a se pagar para evitar, da forma mais eficaz, sacos no meio da rua, que são ainda mais inconvenientes.

Já o problema de acondicionamento de lixo foi resolvido na Europa com uma coleta extremamente seletiva: na Bélgica, por exemplo, toda semana são recolhidos lixos orgânicos e alguns lixos secos mais comuns e mais difíceis de se reciclar, como embalagens plásticas e guardanapos sujos, bandejas de isopor etc. Porém, papéis limpos e, separadamente, um saco com garrafas plásticas, caixas de leite e latas de metal são recolhidos em semanas intercaladas. Dessa forma, os belgas jogam fora toda semana os lixos que podem causar mau cheiro, enquanto lixos que ocupam mais espaço, que não têm problema de serem guardados em casa e que são facilmente recicláveis, são acumulados em um único saco, até que este esteja bastante cheio. Resumindo, separar o lixo lá não é simplesmente uma questão de ajudar na reciclagem, mas é também a maneira mais eficaz de se economizar sacolas plásticas para acondicionar lixo e, assim, evitar sacos de supermercado em excesso em todo lugar. Com este argumento, respondo também àqueles que me perguntam “por que você separa o lixo orgânico do seco, se, aqui no Brasil, ambos vão parar no mesmo caminhão?”. A questão é que eu uso o mínimo de sacos de supermercado possível e, se eu enchê-los com lixo orgânico e seco ao mesmo tempo, terei que jogar tudo fora ao mesmo tempo frequentemente, enquanto se separá-los, só preciso jogar fora com frequência o lixo orgânico, e posso acumular o máximo possível de lixo seco em um saco só, economizando o máximo de sacolas possível.

Finalmente, talvez eu nem precisasse responder àqueles que argumentam que “o mundo não vai acabar por causa de saco plástico”, mas mesmo assim, irei fazê-lo. Definitivamente, o mundo não vai acabar por isso, nem nós mesmos iremos morrer porque usamos sacos de supermercado. Por outro lado, eu não gosto da ideia de viver vendo animais morrerem por ingerir sacos plásticos que nós mesmos jogamos fora, ou até mesmo, num exemplo mais próximo, de ver sacos plásticos o tempo todo voando pela minha rua, entupindo bueiros e contribuindo para alagar minha cidade. O mundo não vai acabar por isso, mas talvez esteja um pouco mais difícil de viver nele por culpa dos nossos próprios hábitos.

[1]http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/proibicao-de-sacolas-plasticas-aguarda-regulamentacao, acessado em 29/11/2014, às 16:00h

[2]http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/03/almg-mantem-veto-projeto-de-lei-sobre-sacolinhas-no-comercio.html, acessado em 29/11/2014, às 16:00h

[3] http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2003/030509_sacolasrg.shtml, acessado em 29/11/2014, às 17:00h

[4] http://www.dnaindia.com/mumbai/special-once-forbidden-now-forgotten-1064845, acessado em 29/11/2014, às 17:00h

[5] http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL585539-5602,00.html, acessado em 30/112014, às 7:30h

 

andrey chaves-h150Prof. Andrey Chaves

Departamento de Física – UFC
andrey@fisica.ufc.br