mestremachado-01Qualquer livro é menor do que a vida. Por mais que os livros nos ensinem e nos contem sobre as maravilhas e sobre as desventuras da vida, o que está lá é sempre menos do que há para viver. É como diz Machado: “A melhor definição de amor não vale um beijo de moça namorada.”

No entanto, o prazer que um bom livro proporciona é, muitas vezes, um grande alívio, ou mesmo um refúgio, pode-se dizer, em meio às turbulências da vida. Sonhar. Aprender. Desaprender. Viajar com a mente. Andar por terras distantes, pensar os pensamentos mais sublimes, sentir coisas que nem se pode descrever.

Na novela chamada “Casa Velha”, Machado conta a história de um cônego que resolveu escrever um livro sobre a História do Primeiro Reinado e, para aprofundar sua pesquisa, vai até um casarão onde viveu um ex-ministro do Império, já falecido, para procurar algo de relevante entre os livros e documentos oficiais que ele tinha em sua biblioteca. Para tanto, pede permissão à dona da casa, viúva do ex-ministro, que, depois de alguma relutância, a concede. Durante o tempo que lá esteve, o cônego tornou-se íntimo da família, que incluía um filho do ex-ministro e uma moça, agregada, que com eles moravam. Mas o presbítero mal podia imaginar a enrascada em que estava se metendo.

Não vou contar o enredo, mas apenas destacar um pequeno trecho, em que o cônego, depois de uma conversa muito constrangedora com a víuva do ex-ministro, já percebendo que as relações familiares ali eram bem complicadas e dramáticas – e que ele já estava irreversivelmente envolvido na situação –, vai para a biblioteca, ficar sozinho, e nos confirma que, às vezes, os livros são bem mais seguros e agradáveis que a vida:

Fui dali aos livros. Ao entrar na sala deles, parei diante do retrato do ex-ministro, e mirei por alguns instantes aquela boca, que me parecera lasciva, desde que a vi pela primeira vez. E disse comigo, olhando para ele:

            — Estás morto. Gozaste e descansas; mas eis aqui os frutos podres da incontinência; e são teus próprios filhos que vão tragá-los.

            Estava irritado, dava-me ímpeto de quebrar alguma coisa. Sentei-me, levantei-me, fui à janela e acabei passeando ao longo da sala, com os pensamentos dispersos e confusos. Os livros, arranjados nas estantes, olhavam para mim, e talvez comentavam a minha agitação com palavras de remoque, dizendo uns aos outros que eles eram a paz e a vida, e que eu padecia agora as consequências de os haver deixado, para entrar no conflito das coisas.” (Casa Velha, capítulo VII)

 

Prof-RaulProfessor Raul Nepomuceno

Faculdade de Direito
Departamento de Direito Público
raulnepomuceno@gmail.com