EDUCAÇÃO E LIBERDADE: EM BUSCA DE UMA POLÍTICA EDUCADORA.

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Vanessa Louise Batista

(…) os sentimentos e as ideias não podem ser legislados, sob pena do passar-se da política à tirania. (…) A tirania se instala justamente quando um indivíduo ou grupo de indivíduos procura ocupar o lugar da soberania, sob a aparência de defesa das leis coletivas. (…) Um corpo político torna-se muito frágil e fraco quando propõe um regime para o qual os hábitos dos cidadãos não estão preparados (…). A forma política depende, em todas as circunstâncias, do próprio povo e que impor-lhe um regime no qual não veja como exercer o direito natural por meio do direito civil é preparar uma política de simulacros, em que se vive como um tipo de regime, mas atua-se como se se estivesse noutro .”(Chauí, 1995, p.72)

(…) el hombre libre evita los peligros con la misma virtud de ánimo con que intenta vencerlos. (Spinosa, 1958, p. 229)

É certo que produzir um governo democrático não é tarefa fácil; e sim um desafio imenso em gerar uma Política generosa em estado perene. Tal generosidade deflagra a amorosidade, pautando-se na ideia de que “o amor é o afeto[1] alegre como percepção do aumento de nossa força para ser, agir e viver em ato” . (Chauí, apud, Espinosa 1995, p.72). Onde há tirania, não há espaço para essa afeição em governar, seja em um município, estado ou país, seja em sua própria casa, rua ou bairro onde mora.

A vida livre só pode existir quando os humanos instituem a sociedade política fundada em direitos por ela estabelecidos e conservados – por isso Espinosa demonstra que a democracia é o mais natural dos regimes políticos. (…) A liberdade só pode ser experimentada por nós se for sentida como felicidade e contentamento, vindos do conhecimento verdadeiro e de afetos que aumentam nossa capacidade de agir – por isso Espinosa escreve uma ética na qual o objetivo essencial é liberar-nos da tristeza e do ódio para assim aumentar as forças de nosso corpo e de nossa alma. (idem)

A condição popular de governar é espontânea e natural entre os moradores de uma cidade, estado ou um país, contudo as formas tiranas com que se costumam legislar e/ou gerir os sistemas políticos e administrativos inibem os citadinos de se comporem como um “sujeito coletivo”(ibidem) e de alcançarem a consciência de uma cidadania plena.

Os mecanismos econômicos e políticos dos quais os governos estão submetidos interferem tanto no que diz respeito às estratégias de governança quanto nos modos de vida da população. Enquanto os vanessafoto1benefícios espúrios, a competição e as guerras partidárias impedem o entendimento claro e distinto dos processos e procedimentos de uma administração governamental participativa; o consumismo e a desigualdade apoiam-se a um cerne violento de condução das relações de poder, obscurecidas por interesses mundiais advindos da lógica de soberania do capital.

Vale ressaltar que tal fenômeno se explicita em nível local, reproduzindo-se nas distintas escalas, a toada mundial daquilo que se perpetuam com rigidez, ortodoxia e tirania, orquestrado por uma elite política internacional. Como os grupos gestores sempre se apoiam em estruturas conhecidas, naturalizadas e enrijecidas em sua dinâmica e funcionamento, acabam por reproduzirem um modo globalizado e irrefletido de se fazer política. O excesso de burocracias e os modos extremamente detalhados e complexos de solução jurídica a problemas sociais, impõem à população um caminho obscuro e difícil acesso para se tornar partícipe da governança. Por isso, quando se pretende aproximar a população da Política de Estado, é preciso conduzir tal processo de modo a educar o povo a governar em parceria com a gestão, a legislar conjuntamente às assembléias e ao congresso  e a julgar com os juramentados e júris. Há que se aprender a participar em diálogo perene, em caminho constante na direção da democracia. A  própria definição de cidade para Espinosa se dá quando existe convívio em estado de liberdade! Do contrário, o que se tem é tirania e exploração territorial.

Uma questão primordial é haver espaços legitimados de diálogos abertos entre o   governante e a população, evitando excessos de conversas personificadas e  individualizadas, priorizando a coletividade organizada para a construção de caminhos reais e possíveis de serem efetivados em escalas distintas -  familiar, comunitária, municipal, estadual, distrital, nacional e/ou internacional.

Vale ressaltar, ainda, que as ações e transformações da realidade urbana atingem dimensões de percepção/compreensão e execução, como também escalas de abrangência da ação: há o que está ao alcance das mãos do indivíduo, da família, da comunidade, do território; há o que diz respeito às execuções dos técnicos da gestão, dos gestores de cada setor e outras que só o prefeito poderá solucionar. E, ainda, há questões que está sob o domínio do governo estadual e outras do federal; até atingir as que dizem respeito aos projetos políticos mundiais.

A compreensão dessas dimensões e escalas é extremamente necessária para todos os munícipes, mas como essas informações ainda não estão claramente difundidas, tudo que acontece no território da cidade acaba que resvalando na gestão municipal, em função das posturas gestionárias paternalistas e das populacionais de subserviência. É preciso, portanto, que o gestor não se comprometa de forma paternalista a cuidar da população com o zelo de quem é “carente” e precisa apenas de amparo (como é corriqueiro na postura dos cidadãos em geral[2]). Faz-se necessário compreender e fomentar a potência de organização coletiva que os citadinos possuem, legitimar tal condição para se transformar territórios, cidades e/ou país(es) em espaços e lugares facilitadores do diálogo e vínculos sociais educadores.

Para gerir democraticamente é preciso aprender que a liberdade é uma construção conjunta e própria da vida coletiva. Exige aproximação dos modos de governar, assim como compreensão dos diferentes níveis de solução dos problemas. Mas é importante lembrar que as campanhas eleitorais indicam centenas de caminhos, contudo a execução dos mandatos identificam milhares de impedimentos. Pautar-se apenas nas justificativas do entrave da máquina pública é se render à manutenção de uma política engessada. Uma política em compromisso com a democracia exige participação efetiva do poder popular. A potência de soluções que podem surgir da vida comunitária não virão da estrutura estatal. Portanto, o gestor que pretender viver a liberdade na cidade em que governa,  precisará se dedicar a construir fóruns de diálogos em que se disponha a aprender com todos e a gerar política coletivamente. Só assim torna-se possível ver emergir o cidadão de fato. A essa pode se chamar uma gestão educadora.

A cidadania é um fenômeno social que, se trilhado por um caminho educativo, pode levar à produção de uma expansão de consciência para a abertura política necessária e condizente com a democracia. Por um vanessafoto2lado a população precisa perceber o quanto pode construir sua cidade em seu cotidiano, com a simplicidade de sua existência e, por outro, a gestão conceber sua condição de aprendiz e facilitadora de um caminho inovador de construção da política educadora.  É preciso atrelar a igualdade política de direitos à potencialidade da cidade, concebendo as diversas formas de ser e fazer-se cidadão.

Ser livre é saber conviver e construir coletividades comprometidas entre si, respeitosas às diferenças socioculturais e econômicas, cuidadosas com a vida das plantas e animais, com a beleza das praças, ruas e avenidas, com clareza das condições que podem oferecer e, principalmente, saber valorizar e preservar o que há de comum a todos.

El hombre (…) es más libre en el Estado donde vive según el decreto comúm, que en la soledad donde sólo se obedece a si mismo. (Spinosa, Proposición LXXIII, 1958, p. 231)

Uma cidade educadora é uma cidade que educa a todos nos pequenos ou nos grandes atos, e se constitui como patrimônio de seus cidadãos. Viver cidade é exercitar a liberdade do viver junto. Ser cidadão desse lugar é ser um educador, pois todos têm o que aprender consigo mesmo, com o outro e com o todo. E a aprendizagem conjunta é, sem sombra de dúvida, a melhor maneira de construir um território livre e potente. Ao refletir sobre esse modelo político proposto pela postura educadora, as questões que pairam são: De que modo pode-se gerir a ponto de favorecer e facilitar as relações intergeracionais e interterritoriais? Quais são os passos necessários para a construção do caminho livre e dos territórios educativos? De que modo é possível instaurar um processo contínuo de participação social? Eis alguns dos desafios para programas, projetos e ações inerentes ao plano de governo pautado em uma Política Educadora -  aquela capaz de aumentar a potência de um povo ao respaldar-se em uma ética da liberdade.

Bibliografia

CHAUÍ, Marilena de Souza. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: moderna, 1995.

SPINOZA. Baruch de. Ética demonstrada según el orden geométrico. Trad. de Oscar Cohan. México. FCE, 1958.

 


[1] Modo pelo qual sentimos a emoção – uma afetação.

[2] dizer ser corriqueiro é considerar que no senso comum a noção da pobreza é sustentada por ideologias neoliberais de manutenção e intensificação das desigualdades sociais e autoritárias. Promovem um duplo preconceito: os pobres são considerados incapazes de suplantar as mazelas materiais e imateriais desse sistema e criar novas alternativas políticas; e devem ser objetos da “falsa caridade” para garantir a  manutenção das diferenças de classe.