ENCONTROS UNIVERSITÁRIOS 2014 – MESA REDONDA 07 – RESSIGNIFICAÇÃO DA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: PROPOSTAS CURRICULARES E METODOLÓGICAS CENTRADAS NO ALUNO

andrey chaves-h150Andrey Chaves

Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva – Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC, com um interesse especial, entre outros temas, em espaços públicos, arte urbana, design social e ações participativas e interdisciplinares. Como veremos a seguir, esses interesses ficam bem claros no tipo de trabalho apresentado por ela nesta Mesa Redonda.

A Professora Anna Lúcia relatou os resultados de um trabalho que ela tem feito junto aos alunos do curso de Arquitetura utilizando a chamada “Metodologia da Pesquisa-ação” [detalhes desta metodologia podem ser vistos, por exemplo, em http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a09v31n3.pdf], que consiste basicamente em um ciclo: dado um problema a ser resolvido, busca-se primeiramente um “diagnóstico”, depois analisam-se as demandas e verifica-se se o problema realmente existe. Se não, o questionamento é refeito; se sim, parte-se para o desenvolvimento de protótipos, experimentos, etc. que possam ajudar a solucionar o problema.

A Professora Anna Lúcia então relatou uma experiência recente, bastante interessante, de aplicação desta metodologia. Ela e os alunos visitaram a comunidade Lauro Vieira Chaves, que estava prestes a ser removida por causa das obras de mobilidade para a Copa do Mundo 2014, que incluíam um trilho e estações de VLT (veículo leve sobre trilhos) passando pela região. Os moradores não queriam ser removidos, mas não conseguiam chamar a atenção das autoridades e se fazerem ouvir. Começou então um trabalho de somar esforços para melhorar a visibilidade desta comunidade: grafiteiros e outros artistas passaram a fazer algumas intervenções audiovisuais, pintar murais, etc. de forma a enaltecer a cultura do próprio bairro. Como consequência destas intervenções, a comunidade finalmente conseguiu chamar atenção para si e, expondo arte e cultura locais, demonstrou que alí há uma história, que não pode ser destruída assim, sem diálogo. No fim, apenas cerca de 20% das famílias acabaram sendo efetivamente removidas. Foi criado, a partir de então, um projeto de extensão da UFC intitulado “Se essa rua fosse nossa”, para dar continuidade a este tipo de trabalho na comunidade.

Num segundo exemplo, a professora citou um projeto mais atual. Neste caso, o problema a ser resolvido era o design e construção de um carrinho para carregar um projetor de cinema itinerante, ou “de rua”. A demanda é de dois grupos interessados neste tipo de atividade; um deles é o projeto Cine Rua, que surgiu como consequência das intervenções artísticas da comunidade Lauro Vieira Chaves, que mencionamos há pouco. Mais sobre esse projeto e sobre a “Comunidade que desviou o trem” pode ser lido em https://comunidadelvc.wordpress.com/cinerua/.

Francisco Isidro Pereira – Professor do curso de Administração da FEAAC/UFC. A discussão que ele trouxe para a mesa redonda foi sobre um tema bastante polêmico: a “cola” durante as provas. Mais polêmico ainda foi o questionamento feito pelo professor e debatido na sala: seria possível enxergar um lado positivo na “cola”? O quanto um aluno consegue aprender no momento em que cola em uma prova?

O Professor Isidro começou relatando um caso bastante interessante que pode servir de pontapé inicial para essa discussão. Durante uma prova aplicada por ele, o professor percebeu que havia um papel circulando (secretamente, claro) entre os alunos. Ao pegar este papel, ele viu que os alunos não estavam simplesmente compartilhando respostas da prova – havia também uma espécie de discussão sobre essas respostas no papel! Antes de repassar o papel, alguns alunos se deram o trabalho de discutir um pouco sobre a validade daquelas respostas. Isso, de certa forma, dá um caráter de interação e debate para a cola, e a interação e o debate entre alunos têm papel fundamental no processo de aprendizagem.

O lado prejudicial da cola é bastante claro e, por isso, não requer de maiores explicações aqui. Porém, o exemplo relatado pelo Professor Isidro nos traz uma quebra de paradigma, ao sugerir que a cola tem papel significativo na aprendizagem. Isso foi verificado por ele ao refazer as provas com alunos que tinham colado em exames anteriores. O resultado foi significativamente positivo. Uma possível interpretação para isso é a de que muitos alunos não colam exatamente por não saber, e sim, por uma questão de insegurança – ao ver a resposta correta disponível, o aluno se sente seguro em continuar e completar a solução das questões.

Nas disciplinas que ministrei no curso de Bacharelado em Física na UFC, não tenho percebido muita cola entre os alunos. Aliás, quando eu mesmo era aluno, alguns professores chegavam a passar provas para serem feitas em casa, e havia um acordo entre os alunos e o professor para que os alunos não copiassem as respostas uns dos outros. Devo dizer que, mesmo com o altíssimo nível de dificuldade das questões nessas provas, o máximo que fazíamos era telefonar um para o outro para discutir, em linhas bem gerais, quais deveriam ser as “saídas” para resolver as questões. A propósito, mais que resolver sozinho os problemas que aparecem hoje nas minhas pesquisas, eu colaboro com outros pesquisadores e nós nos comunicamos para discutir exatamente as “saídas” para estes problemas. Em outras palavras, passar uma prova para ser resolvida em casa, permitindo apenas comunicações mais superficiais entre alunos é uma simulação muito mais fiel à realidade do físico que passar uma prova para ser resolvida sob pressão, dentro de exatamente duas horas, numa sala, sem contato com ninguém.

A situação, porém, parece depender muito do grupo de alunos com os quais o professor está lidando.  Nas disciplinas que ministrei em cursos de Engenharia vi vários alunos colando e usando os argumentos mais esdrúxulos para se explicarem quando pegos. Quando passava provas para casa, várias vinham idênticas umas às outras. Os alunos diziam que entendiam o que estava escrito, mas que os textos estavam iguais somente porque alguns alunos fizeram juntos – pude verificar que isso não era verdade arguindo aqueles alunos que apresentaram provas com respostas idênticas.

De qualquer forma, definitivamente, vale a pena discutir sobre o que mudar no nosso conceito de prova neste novo contexto em que vivemos, onde o conteúdo de quase tudo que se procura encontra-se disponível na internet num piscar de olhos. Claro que, para alguns conceitos mais fundamentais, precisamos forçar os alunos a desenvolverem os estudos por si só. Porém, poderia se relaxar um pouco mais com conceitos mais simples, lembrando que no contexto da situação real, é com a internet, os livros e as consultas entre colegas que estes futuros profissionais resolverão seus problemas.

Henryque Cândido Fernandes do Nascimento – Mestrando no curso de Engenharia Agrícola da UFC. O trabalho apresentado por ele segue uma linha bastante parecida com o apresentado na Mesa Redonda 03, pelo também mestrando em Engenharia Agrícola Francisco Ronaldo Belém Fernandes. É uma proposta de ensino baseada no construtivismo, um conceito de educação já relativamente antigo, que consiste em fazer o aluno ser protagonista na construção do conhecimento. Na atividade proposta por Henryque Cândido, os alunos visitaram um laboratório de motores para ver, na prática, o funcionamento dos motores estudados por eles de maneira teórica em sala de aula. Este tipo de atividade prática, além de ser estimulante para o aluno, tem um papel importante ao aproximar mais o aluno do professor e ao fazer com que o aluno, através das dúvidas e perguntas que vão surgindo durante a visita ao laboratório, busque ele mesmo o aprendizado, o que é um dos principais alicerces da metodologia construtivista. Assim como no trabalho apresentado por Francisco Ronaldo, esta metodologia foi avaliada ao final da atividade através de um questionário distribuído entre os alunos. Apesar da resposta predominantemente positiva, cerca de 20% dos alunos ainda disseram ter dificuldades em assimilar o tema da aula. De qualquer forma, acredito que este número seria ainda significativamente maior se fosse exposta aos alunos apenas a aula teórica tradicional.

Silvia Elisabeth Miranda de Moraes – Professora da Faculdade de Educação da UFC.  Apresentou uma discussão bastante interessante sobre transdisciplinaridade, com um foco especial no tema Cidadania, a partir de uma pesquisa feita em parceria com instituições de ensino da Inglaterra.

A discussão começa com a interdisciplinaridade, que vem sendo utilizada especialmente desde a década de 90 como acelerador do aprendizado. Podemos entender a disciplina como sendo o núcleo da área de conhecimento – cabem aqui a Geografia, Biologia, Física, etc. É dito interdisciplinar tudo aquilo que une disciplinas, através de temas comuns (ou “temas geradores”, na linguagem de Paulo Freire). Um exemplo disso seria o tema “água”: é um tema que está em notícias atuais, a partir do qual podemos estudar os seres que vivem na água (em Biologia), a formação dos rios (Geografia), a composição química da água, suas propriedades de transição de fase (Física), e assim por diante. Já a transdisciplinaridade, tema principal da palestra da Professora Silvia Elisabeth, consiste de temas ainda mais amplos, a serem utilizados como saberes organizadores: Cidadania, Ética, Ecologia, entre outros.

A Professora Silvia Elisabeth relatou sua experiência com a aplicação de mudanças de currículos baseadas na transdisciplinaridade em instituições no exterior. Definitivamente, esta não é uma mudança simples de se fazer, e é fácil concluir que tal mudança precisa ser coordenada pela própria Universidade, e não só por um (ou poucos) de seus setores. Seria uma mudança até mesmo estrutural, que certamente levaria ao fim dos “rótulos”, como o de Físico, Químico, ou Biólogo, e talvez até mesmo ao fim dos departamentos da Universidade.

Um exemplo interessante, dentro da própria UFC, que parece ir pelo menos em direção à interdisciplinaridade, é o do currículo do curso de Medicina. De fato, existem disciplinas dentro do curso: anatomia, fisiologia, entre outras. Porém, hoje o curso é dividido em módulos. Em um deles, por exemplo, estuda-se cabeça e pescoço. Durante o período de estudo reservado a esse módulo, os alunos estudam todos os elementos de todas as disciplinas que estejam relacionados apenas à cabeça e pescoço, como se esse fosse o tema gerador. Não se pode dizer, no entanto, que o curso é, de fato, interdisciplinar; os temas que mencionei estão ainda todos debaixo do guarda-chuva da Medicina, sem interação com outros cursos da Universidade. Esse, porém, parece ser um bom começo.

Esforços no sentido de se criar um sistema de educação cada vez mais transdisciplinar são bem vindos. Note que hoje em dia as escolas estão organizadas de maneira a fazer o aluno pensar que o motivo pelo qual ele deve estudar matemática é simplesmente passar na prova de matemática, enquanto o motivo para ele estudar física é simplesmente passar na prova de física. Em momento algum se enfatiza que é necessário aprender matemática porque ela irá ser usada na física, e que você deve estudar física porque muitos dos conceitos de física serão usados futuramente num curso de engenharia, ou química, etc. Pior que isso, há poucos anos, a escola fazia-nos acreditar que se deveria estudar para passar numa só prova: o vestibular. Até hoje, ainda escuto quem diga, por exemplo, que “física moderna nunca mais vai ser ensinada na escola, porque não existe mais vestibular, e isso não é cobrado no ENEM”. Como se o tema “física moderna” não fosse importante por si só para merecer ser ensinado na escola, pelo menos para aqueles que se interessam em discutir sobre as pesquisas atuais sobre dispositivos eletrônicos, sobre as origens do universo, etc. Este problema certamente seria amenizado num ambiente em que o aluno pudesse perceber que ele precisa dos saberes de uma disciplina para debater sobre outra; onde ele pudesse buscar ele mesmo o conhecimento em cada disciplina quando lhe parecesse necessário. Uma educação baseada em transdisciplinaridade, principalmente onde os alunos têm voz na escolha dos temas a serem discutidos, estimularia essa busca de saberes, com um foco mais específico, de uma forma mais eficiente pelos alunos. Isso, definitivamente, seria mais estimulante que a aula tradicional, em que o aluno é bombardeado com informações rotuladas com o nome da disciplina, na esperança de um dia perceber onde será usado todo aquele conhecimento.