AS QUESTÕES QUE ENVOLVEM A ACADEMIA UNIVERSITÁRIA

Na universidade, a sistematicidade inclui o aprendizado direcionado e organizado com o objetivo do repasse e da retenção lógica de informações. O manuseio correto dos instrumentos deve facilitar tanto o aprendizado quanto o exercício futuro da profissão, viabilizando o desenvolvimento de um espírito crítico e de novos mecanismos de cognição e de resolução de problemas. O exercitar constante está em consonância com o manuseio correto dos instrumentos, já que esta correição deve ser resultante do exercício constante. Este possibilita, na universidade, o uso correto, seletivo e lógico dos instrumentos, deles extraindo soluções para as novas necessidades e em acordo com a evolução dos valores envolvidos no objeto de estudo, criando caminhos inéditos que permitam a criatividade e a inovação, ainda que surjam sem modificação da essência, mas tão-somente da forma. Este manuseio correto dos instrumentos e o exercitar constante permitem que o aluno possa alcançar uma autonomia e capacidade, ambas relativas, de “caminhar com as próprias pernas”.

A finalidade diz respeito ao alcance de um objetivo. Não de um objetivo por si só, mas de um objetivo qualificado. Na universidade, o aluno deve ter por objetivo qualificado o entendimento e a retenção de conhecimento para que possa dar sua contribuição prática para a melhoria do mundo. O aluno deve ter a capacidade de pensar, de desenvolver novas ideias e de mudar a visão do mundo a partir do conhecimento que lhe foi repassado. Este é um objetivo acadêmico qualificado. Sua meta não deve ser de apenas concluir o curso e adquirir uma titulação.

Em relação à continuidade, esta implica na observância do estudo regular, mesmo após as atividades realizadas dentro da universidade, assim como depois o término do curso. Aliás, a palavra curso diz respeito a um período que tem termo inicial e termo final, cumprindo-se com determinada matriz curricular. Um curso acadêmico, para ser válido e atingir sua finalidade qualificada, pressupõe a continuidade, que tanto se aplica ao período de estudos e debates exercitados com o professor e com os demais alunos, mediante o contato com o campus, quanto o de buscar, mesmo após o término desse período, continuamente cursar e exercitar, sozinho, a releitura e a crítica do conhecimento para que se desenvolvam novos estudos, novas possibilidades e uma nova visão de mundo.

Do mesmo modo como o físico, exercitado na academia do corpo, o intelecto e a formação profissional, estes exercitados na academia do saber universitário, para alcançar um bom nível de excelência, precisam ser bem trabalhados e adequados às atividades, exigências e problemas oriundos do cotidiano. É preciso ter em mente que, para a solução dos problemas, o atleta do intelecto não mais terá o professor ao seu alcance, nem a sala de aula e seus colegas como fonte de discussão e debate. Ele mesmo deverá ter desenvolvida sua própria dosagem de autonomia intelectual para, dentro da lógica do razoável e do conhecimento básico adquirido, ter a capacidade de encontrar, sozinho, suas próprias soluções, obtendo o sucesso almejado.

A sequência mais ou menos lógica das características comuns entre a academia do corpo e a academia universitária seria: finalidade, sistematicidade, manuseio correto dos instrumentos, exercício constante e continuidade. Estas características, no entanto, devem estar temperadas com três ingredientes fundamentais: a presença de relações interpessoais de aprendizagem, sensibilidade de quem ensina e dedicação de quem é ensinado. As relações interpessoais de aprendizagem envolvem tanto a relação entre docente e discente, quanto entre discentes, devendo ambas estarem voltadas para a difusão, para a crítica e para a retenção do conhecimento. E é justamente nelas, especialmente na primeira, que reside o maior problema do ensino superior no Brasil.

Acerca da responsabilidade da educação brasileira, devem ser colocados como pontos nodais os três aspectos questionados no início deste título: quem chega (corpo discente), quem está (corpo docente) e aonde se encontram (sistema de ensino). Indicar apenas um desses fatores como responsável pela má performance do ensino superior pátrio é muito fácil, se mostrando inclusive uma leviandade. A responsabilidade não é única, nem simples, mas sim complexa e conjunta. Esses três elementos devem ser analisados, pois todos, sem exceção, contribuem para o mau desempenho da educação superior brasileira.

Imagem016-150x150Prof. Ms. Michel Mascarenhas Silva

Professor da Faculdade de Direito da UFC
Departamento de Direito Processual
michelmascarenhas@ufc.br