O ENSINO JURÍDICO E A NECESSIDADE DE OBRIGATORIEDADE DO EXAME DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

Na intercomunicação com a compulsoriedade do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) observa-se que o ensino jurídico ainda é informado por matizes com ideologias eminentemente teóricas e dissociadas da realidade ao passo que o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se atrela rigorosamente aos sistemas teóricos, pautando-se por questões práticas que confrontem o examinando com a realidade forense contemporânea.

O ensino jurídico brasileiro é ainda muito teórico, mas os aportes práticos são cada vez mais exigidos dos discentes dos Cursos de Direito. Os aspectos fundamentais para o desenvolvimento do profissional do Direito são: (1) desenvolvimento do raciocínio crítico (por exemplo, no cotejo da verificação de orientações jurisprudenciais com teses controversas); (2) prática jurídica é elementar e quando feita com profissionais qualificados é um fator construtivo para a vida do futuro profissional jurídico; (3) necessidade de sensibilidade e racionalidade na formulação de corte epistemológico quando da elaboração de trabalhos científicos; (4) leitura de temas jurídicos específicos, bem como de temáticas interdisciplinares e; (5) argumentação lógico- jurídica.

Tais elementos mostram-se fundamentais no desempenho da atividade do advogado que é eminentemente criativa na construção de teses jurisprudenciais posteriormente acatadas e firmadas pelo Poder Judiciário.

Os cursos de Direito, de modo específico, também se submetem à avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que possui participação ativa no processo de credenciamento, reconhecimento e renovação do reconhecimento dos Cursos de Direito, condicionados à manifestação preliminar de sua Comissão de Ensino Jurídico. O próprio Exame da Ordem, realizado pelo bacharel em Direito, com a finalidade de credenciá-lo ao exercício da profissão de advogado, também apresenta a função de mecanismo de aferição da qualidade dos egressos dos Cursos Jurídicos[1].

O ensino jurídico se democratizou, mas não tem sido capaz de manter uma qualidade esperada pela sociedade e pelos jurisdicionados. Não há que se negar o profundo impacto social da função social do Direito uma vez que o advogado será um profissional voltado à plena efetivação dos direitos humanos fundamentais e dos valores informativos da democracia brasileira.

O profissional do Direito deve ter uma visão interdisciplinar, holística e sistemática. Um dos mecanismos de aferição da capacidade do advogado é a aprovação no Exame da OAB de forma a não banalizar um ofício tão caro à implementação dos valores imanentes ao Estado Democrático de Direito consagrado na Constituição Federal de 1988.

Neste jaez tem-se a advocacia como uma profissão extremamente concatenada ao interesse público, mesmo quando exercida de forma privada, de acordo com os termos esposados pelo art. 2º-, § 1º- da Lei No.: 8906/94 (Estatuto da OAB). Ademais, se o advogado não observar os valores éticos e o conhecimento jurídico adequado poderá causar danos irreparáveis ou de difícil reparação aos jurisdicionados. Destarte, a função do advogado é eminentemente social, uma vez que este é um servidor da sociedade, além de ser parte efetiva na implementação da justiça.

Observa-se que desde 1963, com o advento da Lei n° 4.215, de 27 de abril daquele ano, conforme art. 48, inciso III da aludida legislação, se exigia para a inscrição do bacharel em Direito nos quadros da OAB o “certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem…”.

Dessa forma, em sua origem histórica, o exame de ordem era opcional, eis que se o bacharel em Direito tivesse realizado um estágio profissional não era submetido compulsoriamente à realização do exame da OAB, bastava apenas realizar outro teste, denominado exame de estágio. Deflui-se, portanto que, se o bacharel não cumprisse o estágio profissional deveria submeter-se à prova do exame de ordem.

Em 1972, contudo, a Lei n° 4.215/63 foi revogada pela Lei n° 5.842/72, que determinava em seu art. 1º que “para fins de inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, ficam dispensados do exame de Ordem e de comprovação do exercício e resultado do estágio de que trata a Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, os Bacharéis em Direito que realizaram junto às respectivas faculdades estágio de prática forense e organização judiciária”.

Neste momento histórico havia, portanto, uma diferenciação entre os Cursos de Direito, aqueles que não eram equipados com escritório modelo sujeitavam-se ao regime de exame da Ordem enquanto àqueles que mantinham o aludido equipamento seus egressos não se sujeitavam ao teste da OAB.

Observa-se, portanto, que a fiscalização e a avaliação que a OAB exerce sobre os profissionais do Direito por um período superior a 50 (cinquenta) anos tiveram a sua atuação intensificada, principalmente após a abertura para a iniciativa privada da criação de novos cursos jurídicos.

Constata-se que a crise no ensino jurídico foi intensificada pelo novo contexto sócio-político, haja vista que nesse cenário permitiu-se à iniciativa privada a criação de novos cursos de Direito, fato este que implicou na proliferação desenfreada de novos operadores jurídicos, muitas vezes despreparados para o desempenho profissional minimamente satisfatório. Nesta realidade contextual faz-se premente a necessidade de fortalecimento do exame da OAB como mecanismo de aferição da aptidão ao desempenho da atividade advocatícia.

Conforme dados publicados pela Revista Exame[2] para os detratores, o Exame da OAB entrega a uma entidade de classe (OAB) o direito de definir quem exerce a advocacia e fere o direito à liberdade de profissão, garantido constitucionalmente. Para a OAB, é uma garantia mínima de zelar pela boa qualidade da advocacia em todo o Brasil, onde proliferam os cursos mal avaliados. Independentemente de quem está certo, o fato é que o Brasil não é o único país do mundo a adotar um exame e outras restrições aos formados em Direito. Um levantamento recentemente lançado pelo Conselho da Europa demonstra que, das 47 nações que integram a entidade, 45 não se contentam apenas com o diploma de bacharel ao exigirem mecanismos avaliativos dos egressos dos cursos jurídicos (Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Itália, Portugal, Rússia, Suécia, Suíça, Reino Unido e dezenas de outros). Um dos únicos países que não adotam testes para os graduados em Direito, qual seja: a Espanha adotou em 2011 a obrigatoriedade de um curso prático e teórico, além de uma prova, para que se possa advogar. Outras 33 nações, incluindo a França, exigem ainda treinamentos contínuos dos advogados durante a carreira. Nos Estados Unidos, cada Estado aplica sua prova. A diferença é que esta está sob a responsabilidade do governo, e não de uma entidade como a OAB.

Encontram-se em trâmite no Congresso Nacional diversos projetos de leis, no sentido de reconhecer-se a inconstitucionalidade do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O texto mais recente posto em tramitação é o Projeto de Lei nº.: 2154/2011, de autoria do Deputado Federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ)[3].

Os argumentos utilizados pelo aludido parlamentar na justificativa do Projeto de Lei nº.: 2154/2011 são: (1) ofensa ao Art. 5º-, incisos IX (liberdade da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença) e XIII (liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer); (2) constitucionalidade da submissão ao exame da OAB encontra-se em discussão no STF; (3) exame cria uma “obrigação absurda que não é prevista em outras carreiras, igualmente ou mais importantes”.

Os argumentos utilizados pelo Parlamentar merecem rechaço uma vez que a condição especial do advogado como profissional intrinsecamente voltado à efetivação dos valores consagrados na Constituição Cidadã justifica a exigência legal como garantia para a sociedade.

O dispositivo do Estatuto da Advocacia que estabelece a obrigatoriedade de submissão ao Exame da OAB não afronta a liberdade de ofício prevista no Art. 5º-  inciso XIII da Constituição Federal de 1988, uma vez que, quando o exercício de determinada profissão transcende os interesses individuais e implica riscos para a coletividade, cabe a limitação ao acesso à profissão em nome do interesse coletivo. O próprio legislador constituinte originário limitou as restrições de liberdade de ofício às exigências de qualificação profissional. Observa-se que o certame da OAB caminha para a necessidade de revisão e adaptações à complexidade da realidade social de modo a tornar a sua organização abordagem a mais pluralista e progressista possível (tal qual o ensino jurídico). Tal qual o ecletismo informativo nas composições das bancas examinadoras nos concursos públicos para a judicatura e para o Ministério Público que é formado por membros das mais variadas carreiras jurídicas, talvez se fizesse recomendável a presença de magistrados e promotores na elaboração e organização do exame, sem a atual organização concentrada somente nas mãos de integrantes da OAB em atendimento aos reclamos sociais democráticos e participativos, informados pela complementaridade que deve nortear o exercício de todos os matizes das profissões jurídicas. As eventuais vicissitudes do exame da OAB não retiram a sua função primordial de mostrar-se como medida adequada à finalidade a que se destina, qual seja: a aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo ao jurisdicionado (de forma imediata) e à sociedade (de modo mediato). O desempenho da advocacia por um profissional egresso de um ensino jurídico de formação deficiente pode causar prejuízo irreparável e custar a um indivíduo as violações a todos os direitos fundamentais (liberdade, propriedade, igualdade, dentre outros).

Corrobora ainda no sentido da constitucionalidade do Exame da OAB a constatação atinente à situação de reserva legal qualificada (o exame da OAB) com uma justificativa plena de controle no descompasso entre o exame da OAB e os currículos dos cursos jurídicos.


* Doutorando em Direito Constitucional pela UFC. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor Assistente do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da UFC de Direito Civil II e Direito Agrário. Especialista em Direito Processual Penal pela ESMEC/UFC. Coordenador da Graduação em Direito da UFC. E-mail: williamarques.jr@gmail.com

[1] Consoante dispõe o art. 8º-, inciso IV e §1º- da Lei No.: 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil): “Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário: (…)  IV – aprovação em Exame de Ordem; (…)  § 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB”.

[2] PRATES, Marco. Muitos odeiam, mas Exame “da OAB” é comum em outros países. Disponível em: ˂http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/muitos-odeiam-mas-exame-da-oab-e-regra-em-outros-paises˃. Acesso em: 07/07/2014.

[3] Fonte: CUNHA, Eduardo. Manifesto contra exame da OAB. Disponível em: <http://www.portaleduardocunha.com.br/content.asp?cc=1&id=670>. Acesso em: 07 de Julho de 2014. Confira-se texto da PEC: “PROJETO DE LEI Nº 2154/2011 DE 2011 Que propõe o fim do Exame da OAB Revoga o inciso IV e § 1º do art. 8º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Art. 1ºFica revogado o inciso IV e § 1º do art. 8º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994. Art. 2º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a “livre expressão da atividade intelectual” (art. 5°, IX, CF), do “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” (art. 5º, XIII, CF). A exigência de aprovação em Exame de Ordem, prevista no inciso IV do art. 8º, da Lei 8906, de 04 de julho de 1994, que “dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é uma exigência absurda que cria uma avaliação das universidades de uma carreira, com poder de veto. Vários bacharéis não conseguem passar no exame da primeira vez. Gastam dinheiro com inscrições, pagam cursos suplementares, enfim é uma pós-graduação de Direito com efeito de validação da graduação já obtida. A constitucionalidade da referida obrigação está sendo discutida no STF, com parecer do Ministério Público Federal pela inconstitucionalidade. Esse exame cria uma obrigação absurda que não é prevista em outras carreiras, igualmente ou mais importantes. O médico faz exame de Conselho Regional de Medicina para se graduar e ter o direito ao exercício da profissão? O poder de fiscalização da Ordem, consubstanciado no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil e no Código de Ética e Disciplina da OAB, não seria mais eficaz no combate aos maus profissionais do que realizar um simples exame para ingresso na instituição? Estima-se que a OAB arrecade cerca de R$ 75 milhões por ano com o Exame de Ordem, dinheiro suado do estudante brasileiro já graduado e sem poder ter o seu direito resguardado de exercício da profissão graduada. Ante o exposto, solicito apoio dos nobres pares na aprovação deste projeto de lei. Sala das Sessões, em 31 de agosto de 2011. EDUARDO CUNHA Deputado Federal”.

 

william paiva-h150Prof. William Paiva Marques Júnior

Docente do Curso de Direito – UFC
williamarques.jr@gmail.com